11 críticas sobre aulas

Alex Bretas
9 min readJun 28, 2019

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Talvez um dos mecanismos mais disseminados na educação tradicional seja a aula. Pensando a partir do senso comum, qual a imagem que vem à cabeça quando pensamos em uma escola? Aulas. Quando pensamos em um curso? Aulas. Quando pensamos até mesmo em educação? Aulas. É no mínimo curioso que esse formato tenha ganhado tamanha projeção. Por que será?

A aula como dispositivo educacional foi teorizada por Comenius, um pastor e pedagogo do século XVII. A máxima de Comenius era “ensinar tudo a todos”. Em alguma medida, seu método foi bem sucedido: ainda no século XIX a Suécia erradicou o analfabetismo utilizando suas ideias. No mesmo período, o Brasil ainda tinha escravos.

Depois de Comenius, veio La Salle, um padre que aplicou o modelo de aulas em larga escala. Ele criou a primeira rede de colégios, existente até hoje, baseada no catecismo e na alfabetização. Nascia naquela época a escola moderna, uma instituição alinhada aos princípios da burocracia — que na época era o que havia de mais inovador.

Desde então, a aula como método se espalhou como praga pelos quatro cantos do mundo. Seu objetivo? Ensino em massa, controlado, ordenado, fragmentado, quase sempre obrigatório e ao menor custo possível. Ensinar as massas, por sua vez, atendia aos seguintes objetivos: submetê-las às regras morais e à “etiqueta” apropriada; formar mão-de-obra minimamente qualificada e dócil para as indústrias; e criar “depósitos de crianças”, também conhecidos como escolas, a fim de liberar os pais para cumprir jornadas de trabalho extenuantes.

Aula, então, é baseada em ensino. Com algumas honrosas exceções, aulas são momentos em que existe uma “transmissão” de conhecimento, como se isso fosse possível.

Vejamos alguns pontos sobre aulas que merecem ser discutidos:

1. Aula é ensino, e ensinar é impossível

Ensinar, no sentido de fazer alguém aprender algo, é irreal. Eu aprendo alguma coisa quando faz sentido para mim aprender, e não quando o outro quer. Nesse processo, o que ocorre é que eu conecto algo até então desconhecido com algo que já conheço. Ausubel chamou isso de aprendizagem significativa. Não dá para forçar. O que é possível é dedicar tempo e atenção para, junto com alguém que deseja aprender, acompanhá-lo, caso ele queira. Muitas vezes esse acompanhamento não se dá pela fala, e sim pela escuta. Em uma conversa, quem doa é quem escuta, e não quem fala. Eventualmente, o ensino possível pode se valer de demonstrações de experiência e compartilhamentos de conhecimento. Mas em doses muito menores do que estamos acostumados.

2. Aula é ensinar o que se sabe a alguém que não sabe

A aula geralmente pressupõe uma diferença fundamental entre professor e aluno: um sabe e o outro não. Toda a base da pedagogia moderna parte da premissa de que precisamos de alguém para nos explicar o mundo. Assim, criamos mestres explicadores. Mas o ser humano não aprende somente mediante explicações — na verdade, muitas vezes esta é uma péssima forma de aprender. O ser humano aprende com o mundo, com o outro e consigo mesmo a partir dos diálogos reflexivos (teoria <> prática, imaginação <> realidade, eu <> outro, corpo <> mente, passado <presente> futuro) que é capaz de ter.

Joseph Jacotot, o mestre ignorante de Rancière, afirma ainda que é possível “ensinar o que não se sabe”. Como ensinar o que não sei? Fornecendo atenção para que o outro se sinta muito bem acompanhado na arte da descoberta. “O que você vê? O que pensa disso? O que poderia fazer com isso?” são as três perguntas básicas. Aulas tradicionais não conseguem proporcionar esse tipo de ambiente.

3. Aula hoje em dia é anacrônico

As aulas talvez tenham sido importantes para a humanidade em algum momento. Atualmente, porém, precisamos de outras estratégias. Por que é necessário um momento para “transmitir” conhecimento se já temos internet? Mesmo se pensarmos que a aula cumpriria nesse novo mundo uma função de filtragem/curadoria de conhecimento, melhor seria se todos aprendessem a ser curadores. Por que continuamos apostando em um modelo que padroniza o conhecimento a ser “transmitido” se já sabemos que o ser humano não aprende por osmose? O cérebro não gasta energia pelo que não necessita ou pelo que não se encanta. A ciência já sabe disso.

4. Aula enfraquece a musculatura de aprendizagem

Como vimos, aula é baseada em ensino, e ensino é baseado em explicação. Quando ouvimos uma explicação, a sensação é boa porque acreditamos ter encontrado a resposta. Nosso cérebro adora respostas. O não saber é angustiante. Contudo, o não saber é o alimento da aprendizagem. Se não o aceitamos — e quase todos nós temos dificuldade em aceitá-lo — , ficamos viciados em respostas. Pior, em respostas inequívocas/verdades absolutas. A aula tradicional fornece respostas demais em um curtíssimo espaço de tempo. É assim que ela pode atrofiar nossa capacidade de aprender.

Uma resposta é sempre uma escolha por um certo caminho de interpretação. A resposta (ou explicação) é sempre dada por alguém imerso em uma gama de contextos (biológico, cultural, social, histórico, econômico, linguístico). A aprendizagem precisa da pergunta, do confronto de hipóteses, da reflexão. A tensão entre múltiplas interpretações da realidade sempre vai existir, mas a aula frequentemente finge que ela não existe.

5. Aula é uma interação um-para-muitos

Um professor, 40 alunos. O professor fala durante 90% do tempo e os alunos demonstram pouco interesse para ocupar os outros 10%. Assim é uma aula tradicional. O que estamos perdendo com isso? Muita coisa. A interação do tipo broadcasting ou um-para-muitos é baseada em uma lógica hierárquica: “nós sabemos o que você precisa saber”. Inúmeros outros fluxos interativos que poderiam ocorrer dentro desse grupo de 41 pessoas são bloqueados. A rede é sufocada, o social é aniquilado. Por isso, aulas facilmente acabam se tornando momentos de transmissão de uma verdade absoluta, como se ela existisse. O professor dificilmente é questionado porque há um custo em questioná-lo. Vexames, punições ou indiferença frequentemente são invocados para colocar os alunos questionadores “em seu devido lugar”.

6. Aula é baseada em controle e hierarquia

Assim como o ser humano não é superior ou mais evoluído que o animal, e o animal não é mais evoluído que a planta — basta ler Maturana para entender isso — , um ser humano não é superior ao outro. Ainda que a hierarquia de fato possa ser útil e necessária em alguns contextos, o problema é quando fazemos dela algo fixo e arbitrário.

Em muitas escolas ainda vemos tablados para o professor ficar em uma posição mais alta que os alunos na sala de aula. Isso é muito simbólico. Os alunos quase sempre precisam pedir para ir ao banheiro. Recentemente, ouvi de professores universitários que isso é o mínimo de respeito que eles esperam, que os alunos peçam para ir ao banheiro. Isso não é respeito, é autoritarismo mesmo. Em Bucareste, na Romênia, um grupo de jovens estudantes criou uma universidade alternativa justamente porque perceberam que o trato que recebiam na universidade tradicional não era menos opressor do que a ditadura que o país havia vivido por mais de 40 anos. E as aulas são o mecanismo mais explícito dessa tirania.

7. Aula fragmenta e padroniza o conhecimento

Biologia I, Biologia II, Cálculo I, Cálculo II, Introdução à Economia, Economia I… e assim vai. O conhecimento não se apresenta assim na vida real. Fazemos com que ele caiba em caixinhas porque assim acreditamos que será mais fácil absorvê-los. Será mesmo? A fragmentação dos saberes ocorre em paralelo com sua padronização. Ensinar tudo a todos significa ensinar as mesmas coisas para todos. Mas quem disse que estou interessado nas mesmas coisas que todo mundo? Quem disse que Biologia I faz sentido hoje na minha vida? Como afirmou David Roberts, da Singularity University, a ideia de forçar alguém a aprender muito, somente para o caso de um dia precisar, é absurda. Quando aprendemos por motivação própria, somos capazes de absorver conteúdo muito mais rápido.

8. Aula geralmente é expositiva

Tudo bem, nem todas são, mas você vai concordar comigo que a maioria é. E ainda que isso não seja necessariamente um problema, ouvir um professor falando várias horas sobre um assunto que você não está interessado é desesperador. Escutar alguém discorrer sobre um tema, mesmo com um referencial visual junto, é apenas uma das partes do processo de aprendizagem, e talvez uma das menos importantes. É preciso fazer. Meu amigo Conrado Schlochauer tem uma definição de aprendizagem baseada na prática: “aprender é explicitar o conhecimento por meio de uma performance melhorada”. Não basta conhecer, não basta lembrar, precisamos colocar a mão na massa. Como você vai saber que aprendeu a fazer risoto? Quando você conseguir fazer um risoto acima da média algumas vezes.

Como disse Confúcio:

Aquilo que escuto eu esqueço, aquilo que eu vejo eu lembro, aquilo que faço eu aprendo.

9. Aula é cognitivista/conteudista

A aula tradicional privilegia a mente em detrimento do corpo. O intelecto sobrepuja as emoções. A racionalidade é vista como a única forma de se produzir conhecimento. No entanto, já sabemos que os domínios emocionais em que estamos inseridos ditam quais ações — inclusive pensamentos — seremos capazes de ter (Maturana de novo). Se estou em um ambiente que convida não apenas minha cabeça, mas todo meu corpo para aprender, minha habilidade de pensar aumenta. Isso não pode ser feito somente através de conteúdo. As emoções precisam ser expressadas por meio de outras estratégias como conversas e arte. O corpo precisa ser liberto por meio de outras possibilidades como movimentos e construção coletiva.

10. Aula é passado

Aprendi com Yaacov Hecht que aulas tradicionais falam muito do passado. E pouco sobre o presente, menos ainda sobre o futuro. Existe uma grande preocupação em se ensinar o que a humanidade já descobriu, mas pouca vontade de criar investigações sobre os dilemas do presente. As aulas também não priorizam a pesquisa sobre os cenários de futuro e suas implicações, ainda que todos nós estejamos fadados a vivê-las dia após dia. As descobertas do passado são apresentadas frequentemente de maneira descontextualizada, sem que haja correspondência com fatos e problemas que fazem parte do cotidiano de quem aprende.

Certa vez, em uma aula de física em uma escola no Capão Redondo, os alunos começaram a comentar sobre uma chacina que havia ocorrido no bairro dias atrás. O professor ouviu uma ou duas falas e depois simplesmente voltou a explicar sobre foguetes, como se nada tivesse acontecido. Mais uma vez, o presente foi silenciado.

11. Aula é sobre “adquirir” conhecimento

Por favor, precisamos parar com essa ideia de “adquirir” conhecimento como se fosse um produto na prateleira do supermercado. Não funciona assim. Infelizmente, aulas são desenhadas para refletir esse pensamento. Você não deve conversar nem sair da sala porque senão é como se o download da informação fosse interrompido. A concentração — ou melhor, o controle — deve ser total.

O conhecimento é construído dinamicamente pelo indivíduo em contato com o mundo. Ele se refaz a partir do par ação-reflexão. Em interação com o exterior, ajustamos nossas percepções a cada instante e agregamos o que faz sentido para preservar ou melhorar nossas vidas.

Bônus. Aula é o único momento onde as pessoas aprendem

Aprendemos a todo momento, em qualquer lugar, basta estarmos vivos.

Os pontos acima são apenas a vista de um ponto. Não pretendo ser dono da verdade!

Duas perguntas para continuar alimentando a conversa:

  • O que poderia ser uma aula boa?
  • Se não aula, então o quê?

E você, o que pensa sobre aulas? Responde aí! Gostou? Clica nas palminhas para que mais pessoas leiam esse texto!

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Alex Bretas
Alex Bretas

Written by Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.

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