4 níveis de julgamento
Ou como somos capazes de distorcer a realidade
Percebo que me apresso muito para colocar alguma coisa dentro das caixinhas “gosto” e “não gosto”. Essas caixinhas também atendem pelos nomes “certo” e “errado”, “bom” e “ruim” e “concordo” e “discordo”. Talvez você conheça outros nomes. E talvez você faça o mesmo que eu.
O nome disso é julgamento. Porém, quando chego no nível de dizer “isso não me agrada”, por exemplo, é porque eu já fui longe no ato de julgar.
Quando reflito sobre o que é um julgamento, penso que ele pode ser dividido em quatro níveis:
1. Observação: eu simplesmente presto atenção no que está acontecendo. Se minha mente insiste em avançar para os níveis 2, 3 e 4, eu observo o julgamento tomando forma dentro de mim, mas digo para ele se acalmar.
2. Entendimento/nomeação: eu compreendo o que está acontecendo nomeando o que estou percebendo. Nomes são mais resistentes ao mecanismo de comparação do que adjetivos.
- Exemplo: um homem de 100 kg.
3. Avaliação/adjetivação: eu atribuo uma qualidade ao que está acontecendo. Sempre que avalio, estou partindo de pressupostos, isto é, de certas visões sobre as coisas derivadas de minhas experiências prévias. Sempre que avalio, estou comparando.
- Exemplo: um homem gordo.
4. Sentença/julgamento: eu hierarquizo o que está acontecendo dentro do meu ranking de preferências pessoais. Geralmente a sentença é binária e taxativa, ou seja, não há muito espaço para uma “escala de cinza”, nem para mudar de ideia.
- Exemplo: não gosto de homens gordos!
Na medida em que avanço cada nível, minha mente opera uma distorção maior em relação ao real. Essa distorção da realidade é como torcer um pano, tirando dele todo o caldo até que por fim ele fica seco e áspero.
O julgamento é um mecanismo fundamental na vida. Não digo para nos livrarmos dele. Mas acredito que é interessante ampliar nossa consciência a respeito de como ele opera.
Muitas vezes, eu sinto que vou para o nível quatro rápido demais. Coloco as coisas no meu ranking, nas minhas caixinhas, e dou pouco espaço para elas respirarem. Quanto mais subimos de nível, mais nossos pressupostos entram em ação. À medida que subimos de nível, somos mais passado e menos presente. Exercemos menos nossa presença. A mente vai ficando mais preguiçosa. Nossos pressupostos atuam como células de defesa, destruindo o que não conseguimos acoplar no ego.
Assim como células de defesa crescem em número quando o corpo fica doente, os pressupostos tendem a crescer quando vivemos uma experiência que destoa daquilo que achamos que somos. Cristalizamos nossa visão sobre algo porque foi difícil de digerir, nos machucou de alguma forma e não tínhamos outras ferramentas para lidar com isso. Dessa forma, é possível afirmar que os pressupostos cuidam das nossas feridas, tapam nossos buracos. Isso é bom.
Mas aí quando vivemos novas experiências, o passado emerge no corpo através dos pressupostos, e aí nós vamos direto para o nível 4 e dizemos: “odeio esse tipo de coisa”. Se fazemos isso, deixamos de perceber que cada experiência, cada instante da vida nunca se repetiu antes. Está acontecendo agora, inconfundível, absolutamente único. Aí a gente vai e encaixota, coloca a roupa do passado no presente, e é assim que nos tornamos secos e ásperos.
Os pressupostos protegeram a gente quando a gente mais precisou. Nossas visões arraigadas sobre o mundo, nossos apegos e idiossincrasias saíram de algum lugar e cumpriram uma função. Penso que é importante reconhecer que essas estratégias cuidaram de nós. Talvez assim a gente consiga se libertar delas ao se deparar com novas experiências. Talvez precisemos investigar mais no detalhe a história de quando e como algum pressuposto surgiu dentro da gente. Talvez precisemos contar pra alguém essa história e receber uma escuta, ser legitimado, ser “acreditado” na nossa dor.
Talvez assim a gente consiga viver mais o real. E aceitar com mais frequência os convites da vida para pensar diferente.
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