🤔 5 verdades inconvenientes sobre cultura de aprendizagem — e o que fazer com elas [artigo completo]

A 1ª é óbvia, mas a 4ª e a 5ª vão dar o que falar

Alex Bretas
6 min readFeb 8, 2024

“Cultura” e “aprendizagem” são fenômenos hiper complexos que demandam reflexões cuidadosas. Quando juntos em um mesmo conceito, então, mais ainda.

O risco de cair em mitos e reducionismos é grande.

Por isso, aqui vão 5 verdades que talvez sejam consideradas inconvenientes sobre o tema e o que podemos aprender com elas.

🏃🏽‍♂️ A “correria” mata a cultura de aprendizagem.

Se as pessoas não tiverem tempo disponível durante o trabalho (e não apenas fora dele) para focarem em seu próprio aprendizado — com autonomia e mentalidade/ferramentas para tal — , a cultura de aprendizagem só poderá funcionar a solavancos (treinamentos).

A maneira mais efetiva de criar esse tempo é, como eu e meu amigo-irmão Conrado Schlochauer costumamos falar, blindar tempo na agenda para aprender. A Sozinho-Junto, por exemplo, propõe “reuniões silenciosas de aprendizado” — e, como reuniões são quase tudo que as pessoas fazem hoje em dia no trabalho, tende a dar certo.

Já é sabido que as pessoas se adaptam a jornadas reduzidas de trabalho e produzem tanto ou até mais nesse formato (referência aqui). Isso é um indício de que separar tempo para ligar a chavinha da descoberta intencional não afeta a produtividade, pelo contrário.

No entanto, precisa ser uma política da organização. Se essa for uma escolha individual, a blindagem de tempo tenderá a não acontecer, pois existe uma assimetria de poder que influencia no culto à performance no trabalho (e, pelo visto, aprendizado não está incluso em performance).

A questão da falta crônica de tempo é talvez a variável mais importante que precisamos endereçar na cultura de aprendizagem de pessoas adultas.

Escreverei mais sobre isso em breve.

❌ Treinamentos e cultura de aprendizagem são processos (muito) distintos.

Treinamentos, via de regra, são sobre ensinar. Poderiam ser sobre aprender, se fossem menos instrutivos e mais focados em descoberta, mas raramente são.

Cultura de aprendizado não pode ser ensinada — ela é uma ideia que deve ser vendida, e os contextos para que ela frutifique devem ser criados/remodelados.

As habilidades para fortalecer a cultura de aprendizagem têm a ver com a criação de um movimento dentro da organização. Martin Luther King, Gandhi, Madre Teresa, Bill Watson (fundador dos Alcóolicos Anônimos) — esses são alguns dos grandes criadores de movimentos com os quais podemos nos inspirar.

Mais recentemente, elaborei e tenho defendido o Princípio das Duas Realidades: em vez de tentar mudar a atuação da área de T&D da noite pro dia, melhor é deixar a maquininha de treinamentos funcionando (por ora) e criar uma segunda frente concomitante com foco total em cultura de aprendizado.

“Você não muda as coisas lutando contra a realidade atual. Para mudar algo, é preciso construir um modelo novo que tornará o atual obsoleto” (Buckminster Fuller)

Ainda quero escrever mais sobre o Princípio das Duas Realidades em futuros textos.

🐎 Só aprendizagem incremental (horizontal) te dará apenas cavalos mais rápidos.

Quando uma pessoa se desenvolve “horizontalmente”, estamos falando de um processo incremental de construção de conhecimentos e habilidades para que ela performe dentro de suas possibilidades atuais. Isso ocorre com frequência no aprendizado “on-the-job” (durante o trabalho em si) a partir dos problemas e curiosidades do dia a dia.

Por outro lado, o aprendizado “vertical” é aquele que enfatiza a conquista de novas possibilidades de percepção e atuação no mundo, tornando a pessoa um ser não apenas melhor equipado, mas sobretudo mais complexo e inventivo nos campos cognitivo, emocional e atitudinal.

Em geral, ações de aprendizado formais tendem a ressaltar somente o eixo horizontal, quase como se esse fosse o único jeito de pensar processos de desenvolvimento. Sobra pouco espaço para o desenvolvimento humano vertical, que depende de doses mais altas de autonomia, envolvimento, problematização, criatividade e (até mesmo) risco.

(Agradeço à Zahra Davidson, fundadora do Huddlecraft, ex-Enrol Yourself, com quem aprendi sobre esses conceitos. O artigo dela no Medium de onde retirei essa ideia é uma leitura maravilhosa para pautar estratégias de cultura de aprendizagem. Caso não leia em inglês, minha dica é usar o Google Tradutor)

🧑🏼 O foco (apenas) na mudança de mentalidade individual é um erro.

Um mito persistente na sociedade ocidental é o de que qualquer mudança de comportamento é um atributo do indivíduo — e, pior, depende quase exclusivamente de sua “força de vontade”.

Narrativas como “a verdadeira mudança começa dentro de você!”, “acredite no seu potencial!”, “você consegue!” e outras obscurecem o fato de que, como seres sociais, tendemos a mimetizar e a querer pertencer. Além disso, boa parte dos nossos comportamentos não se explicam de forma racional/consciente, e sim por meio do repertório de hábitos que fomos construindo ao longo do tempo — muitos sem nem perceber.

Tentativas de transformação cultural que apostam majoritariamente no indivíduo como veículo da mudança, especialmente em seu lado mais racional, tenderão a falhar. Para que haja sucesso — o que quer que isso signifique quando falamos de cultura — , é preciso enfatizar variáveis coletivas: os grupos/comunidades dos quais as pessoas fazem parte e as políticas/contextos macro da organização.

Não adianta só oferecer palestras dizendo “você é o protagonista do próprio desenvolvimento” e seguir reproduzindo lógicas e ambientes que induzem à heterodireção.

Seth Godin nos traz uma provocação interessante sobre isso a partir da imagem abaixo:

O que você vê?

Um dia ensolarado, possivelmente quente, e uma bela fonte de água cristalina. Ao lado, uma placa com letras garrafais escrito: “ficar de pé sobre a fonte ou entrar nela é estritamente proibido”.

O contexto leva para um lugar — querer aproveitar a fonte — , ao passo que a tentativa de cerceamento (mudança) leva para outro. A partir disso, o escritor americano arremata:

“Anúncios mais altos e persistentes não vão ajudar se a situação em que as pessoas estão as induziu a não ouvir”

Se você deseja mudar algo, confie menos no indivíduo e mais em seu contexto.

🫵 Mendigar engajamento só piora as coisas.

O T&D precisa parar de mendigar a participação das pessoas nas ações de desenvolvimento. Insistência, ainda que sutil, é sinal de que há algo errado, e essa tradição remonta a um contexto educacional profundamente escolarizado de onde todes viemos — e do qual ainda estamos nos curando.

Além de pouco elegante, a mendicância nesse caso é também contraproducente, pois viola um dos preceitos de influência comportamental mais eficazes que existem: o princípio da escassez.

O viés da escassez é bem conhecido no marketing e se refere à nossa tendência de querer acessar as coisas que são percebidas como difíceis, limitadas, “para poucos e bons”, ou seja, o extremo oposto do insistir. Como seres gregários, frequentemente buscamos a sensação de sermos os/as “escolhidas” para adentrar um grupo ou participar de alguma iniciativa. É natural do ser humano.

Se “o que vem facim presta, não”, como canta Black Alien, então é preciso fazer com que os espaços de aprendizado da organização — criados não apenas pelo RH, mas por pessoas de todas as áreas — sejam vistos como especiais, exclusivos (embora haja muitos deles), sedutores, sagrados, quase como pequenas maçonarias.

Além disso, a narrativa predominante da aprendizagem autodirigida no contexto organizacional não deve levar ao entendimento de que se trata de algo que qualquer um(a) faz — contrariamente ao que se poderia pensar.

Se, por um lado, aprender é como respirar, o processo de aprendizado autodirigido precisa ser apresentado sobretudo como uma jornada intencional, uma aventura, uma busca pelos tesouros preciosos que se encontram em algum lugar dentro dos universos mais importantes de cada pessoa.

Empreender essa busca não é “facim”. São poucos(as) que escolhem se aventurar, e é justamente essa “escassez” que fará muita gente desejar fazer parte.

E aí, o que você pensa ou sente sobre isso?

Me conte suas percepções nos comentários, bora aprender junto! 😍

Obs. 1: em abril, estarei mais uma vez na Bett Brasil em São Paulo-SP para uma palestra/papo sobre lifelong learning de verdade. Vamos? Inscrições aqui.

Obs. 2: saiu a gravação do encontro de prática sobre facilitação e comunidades de aprendizagem que participei no final do ano passado a convite da Aprendix. Tá lá no Youtube e você pode assistir clicando na imagem abaixo.

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Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.