🔔 A cultura tóxica das notificações

Alex Bretas
3 min readJul 27, 2023

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Se uma atividade econômica for baseada em tornar as pessoas viciadas, causar danos ao cérebro de adolescentes, diminuir o nosso bem-estar mental e físico, aumentar os casos de ansiedade e depressão e prejudicar a cognição e a produtividade, o que a sociedade deveria fazer a respeito?

Você e eu sabemos que essa atividade econômica existe, e é das mais rentáveis.

(Só a Meta — dona do Instagram, Facebook e Whatsapp — lucrou 116 bilhões de dólares no último ano, o que representa mais do que o PIB de vários países do mundo somados)

O arsenal psicológico construído pelas empresas que controlam as redes sociais é impressionante.

O alvo? A minha, a sua, a nossa atenção — um recurso ainda mais valioso que o tempo.

Nessa guerra, uma das armas de maior calibre recebeu (não por acaso) um nome inofensivo: notificação.

E elas — as notificações — estão em todos os lugares.

Sabe aquele número entre parênteses que aparece na aba do seu Whatsapp Web no navegador? Aquele som toda vez que você recebe uma mensagem? Aquelas bolinhas vermelhas com números ao lado dos aplicativos no celular?

Pois é.

As notificações, apesar de majoritariamente inúteis, influenciam no vício em redes sociais. E esse vício causa estragos individuais e coletivos.

Que fique claro: não estamos falando de meros alertas. Psicologicamente, uma notificação não é uma porta, e sim um empurrão.

Máquinas caça-níqueis operam de forma semelhante: você nunca sabe quando vai ganhar. E isso faz você querer ganhar o tempo todo.

Isso já é algo explicado pela neurociência. Nosso sistema de dopamina fica meio maluco quando é exposto a muitas recompensas imprevisíveis continuamente.

Se isso acontece, ele precisa de mais. Dessa forma, os sintomas de ansiedade e hiperatividade aumentam.

A cultura das notificações explora de maneira consciente nossas características neuronais e psicológicas para, em escala, capturar mais nossa atenção, coletar mais nossos dados e, assim, aumentar as vendas de anunciantes, o que se desdobra em mais lucro para as empresas que criaram a cultura das notificações.

Jogada de mestre, né?

É 2023 e todes nós vivemos em um grande cassino.

Obs. 1: é claro que existem possibilidades para lidar melhor com a enxurrada de notificações, desde (tentar) silenciá-las até parar de usar smartphone — sim, há quem faça isso. Nas minhas pesquisas, um estudo de 2019 que testou o envio de notificações “em lote” — isto é, em três momentos já previstos ao longo do dia — gerou uma melhora na atenção, produtividade e no humor das pessoas participantes.

Obs. 2: ainda assim, é preciso dizer que a onipresença das tecnologias digitais (e a quase impossibilidade de reconfigurar ou escapar desse modo de vida contemporâneo) vai continuar nos gerando efeitos nocivos, mesmo que sejamos bem-sucedidos em atenuar sua toxicidade. Regulação é a palavra-chave.

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Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.