🔔 A cultura tóxica das notificações
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Se uma atividade econĂ´mica for baseada em tornar as pessoas viciadas, causar danos ao cĂ©rebro de adolescentes, diminuir o nosso bem-estar mental e fĂsico, aumentar os casos de ansiedade e depressĂŁo e prejudicar a cognição e a produtividade, o que a sociedade deveria fazer a respeito?
Você e eu sabemos que essa atividade econômica existe, e é das mais rentáveis.
(SĂł a Meta — dona do Instagram, Facebook e Whatsapp — lucrou 116 bilhões de dĂłlares no Ăşltimo ano, o que representa mais do que o PIB de vários paĂses do mundo somados)
O arsenal psicolĂłgico construĂdo pelas empresas que controlam as redes sociais Ă© impressionante.
O alvo? A minha, a sua, a nossa atenção — um recurso ainda mais valioso que o tempo.
Nessa guerra, uma das armas de maior calibre recebeu (não por acaso) um nome inofensivo: notificação.
E elas — as notificações — estão em todos os lugares.
Sabe aquele nĂşmero entre parĂŞnteses que aparece na aba do seu Whatsapp Web no navegador? Aquele som toda vez que vocĂŞ recebe uma mensagem? Aquelas bolinhas vermelhas com nĂşmeros ao lado dos aplicativos no celular?
Pois Ă©.
As notificações, apesar de majoritariamente inĂşteis, influenciam no vĂcio em redes sociais. E esse vĂcio causa estragos individuais e coletivos.
Que fique claro: não estamos falando de meros alertas. Psicologicamente, uma notificação não é uma porta, e sim um empurrão.
Máquinas caça-nĂqueis operam de forma semelhante: vocĂŞ nunca sabe quando vai ganhar. E isso faz vocĂŞ querer ganhar o tempo todo.
Isso já Ă© algo explicado pela neurociĂŞncia. Nosso sistema de dopamina fica meio maluco quando Ă© exposto a muitas recompensas imprevisĂveis continuamente.
Se isso acontece, ele precisa de mais. Dessa forma, os sintomas de ansiedade e hiperatividade aumentam.
A cultura das notificações explora de maneira consciente nossas caracterĂsticas neuronais e psicolĂłgicas para, em escala, capturar mais nossa atenção, coletar mais nossos dados e, assim, aumentar as vendas de anunciantes, o que se desdobra em mais lucro para as empresas que criaram a cultura das notificações.
Jogada de mestre, né?
É 2023 e todes nós vivemos em um grande cassino.
Obs. 1: é claro que existem possibilidades para lidar melhor com a enxurrada de notificações, desde (tentar) silenciá-las até parar de usar smartphone — sim, há quem faça isso. Nas minhas pesquisas, um estudo de 2019 que testou o envio de notificações “em lote” — isto é, em três momentos já previstos ao longo do dia — gerou uma melhora na atenção, produtividade e no humor das pessoas participantes.
Obs. 2: ainda assim, é preciso dizer que a onipresença das tecnologias digitais (e a quase impossibilidade de reconfigurar ou escapar desse modo de vida contemporâneo) vai continuar nos gerando efeitos nocivos, mesmo que sejamos bem-sucedidos em atenuar sua toxicidade. Regulação é a palavra-chave.