Atitude: o recurso mais precioso do aprendiz autodirigido
A aprendizagem autodirigida pode ser uma forma de enxergar a vida. Em todas as situações, existem oportunidades para transformar nós mesmos e criar coisas novas.
Blake Boles, autor do livro The Art of Self-Directed Learning, que traduzi em 2016 com o apoio da Multiversidade e Affero Lab, acredita que o aprendiz autodirigido escolhe agir de maneira diferente de outras pessoas.
Isso está longe de significar um superpoder ou uma qualidade inata. É trabalho duro com boas doses de consciência e humildade, acessível a qualquer um.
O sétimo capítulo do livro é um dos meus favoritos. O autor aponta seis mudanças de atitude fundamentais para o aprendiz autodirigido cumprir sua missão de aprender radicalmente com o mundo. O objetivo desse post é refletir um pouco a partir de cada uma delas.
1. De “eu não consigo” para “eu poderia se”
É frequente pensar que não somos capazes de realizar algo. Dar uma palestra na empresa, fazer um mochilão pelo mundo, falar um outro idioma, reagir de maneira diferente em um conflito… Tudo isso é difícil mesmo. Mas tente imaginar, na situação em que você se vê paralisado, um outro contexto em que as premissas são alteradas.
“Eu poderia dar uma palestra se o público fosse composto por pessoas que eu conheço e confio”
“Eu me sentiria mais tranquilo para fazer um mochilão pelo mundo se eu convidasse um amigo para ir comigo”
“Eu conseguiria falar outro idioma se eu praticasse em um ambiente livre de julgamentos e ridicularizações”
“Eu poderia reagir de maneira diferente nesse conflito se eu me consultasse com um mediador e me preparasse antes”
A mudança do “eu não consigo” para “eu poderia se” é a arte de mexer no contexto do desafio, alterando as premissas. E assim pensar em possíveis caminhos sem se desesperar.
2. De “eu devo” para “eu escolho”
Nós sempre temos escolha. Ao afirmar isso, não estou fechando os olhos para todos os condicionamentos e desigualdades que reduzem nossa liberdade. Privilégios (ou a falta deles), condições desfavoráveis e pressões externas sempre poderão existir.
Mas, repita comigo, nós sempre temos escolha. Inclusive, acreditar nisso também é uma escolha. E, dentre as várias formas de encarar a vida neste mundo, é a que mais nos liberta — ainda que às vezes nem tanto assim. No fundo, é tudo que podemos fazer, ainda que seja “somente” uma mudança de percepção sobre o que acontece.
Acreditar que sempre temos escolha é mergulhar na liberdade, por um lado, e praticar a arte da autorresponsabilidade, por outro. “Eu devo” significa que estamos deixando o outro escolher por nós — seja outra pessoa, seja a cultura na qual estamos imersos.
É claro que há situações em que nos sentimos no dever de fazer ou não fazer algo. Isso é legítimo e importante. Mas, lá no fundo do seu pensamento, pense: “ainda assim é uma escolha”. Podemos escolher seguir o “dever” ou não.
3. De “não sei” para “vou descobrir”
O aprendiz autodirigido é um investigador do mundo. Ele não se contenta com um “não sei”, embora entenda que é importante admitir o não saber com frequência. Um “não sei” paralisante é diferente de um “não sei” curioso, que impulsiona o aprender.
Em vez de parar, o aprendiz autodirigido sai em busca de novas possibilidades de resposta, entendendo que nunca vai encontrar “a” verdade. Na medida em que se intensifica a busca, novas perspectivas e habilidades são criadas. E com novas respostas, sempre aparecem novas perguntas, ainda mais complexas e interessantes.
O processo de descoberta é diferente de “adquirir conhecimento”. Descobrir é um processo vivo de criação. O que a gente descobre a gente se apropria. A descoberta é sempre uma invenção.
A partir de um “não sei” curioso, é possível utilizar Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes (CEP+R) para aprender. Quando o caminho tem liberdade, as fontes de aprendizagem se multiplicam.
4. De “eu desejo” para “farei um plano”
É tentador ficar só no mundo das ideias. Por um lado, ele sempre será mais seguro que o mundo concreto, porque nada ou ninguém — além de nós mesmos — poderá questionar uma ideia que nunca saiu da nossa cabeça. Por outro lado, o mundo das ideias é uma prisão. O preço de nunca tirarmos nossas ideias do papel é nunca colher os imprevisíveis frutos de sua materialização.
Aprendizes autodirigidos têm muitas ideias, como qualquer outra pessoa, mas eles se preocupam seriamente em implementar algumas delas. Não se trata somente de fazer um plano, e sim agir rápido para testar hipóteses. A realidade é ótima em nos apresentar situações que fogem daquilo que prevíamos inicialmente. Precisamos planejar, agir e evoluir de maneira ágil frente ao que ocorre a cada segundo.
Para tanto, é fundamental conseguir selecionar quais ideias queremos implementar e quais podem permanecer guardadas em nossas cabeças. Desapegar dói. Mas lembre-se: você não precisa fazer tudo de uma vez só. Quais ideias você priorizaria para saírem do papel nesse momento da sua vida, e quais podem esperar? O que é mais importante para você agora?
5. De “eu odeio” para “eu prefiro”
Aprendizes autodirigidos sabem que direcionar muita energia para coisas negativas não é produtivo. Isso é diferente, é claro, de se permitir descarregar emoções como a raiva, por exemplo. Não se culpar por estar sentindo algo e vivenciar o sentimento plenamente é sinal de maturidade emocional.
No entanto, “eu odeio” significa continuar alimentando a negatividade até mesmo depois que a raiva ou a tristeza já passaram. Manifestar preferências de maneira odiosa afasta as pessoas, assim como reclamar sobre tudo. Focar somente no problema não contribui para a geração de soluções.
Sempre há espaço para o “eu prefiro”. Em vez de apontar tudo de errado que você percebe em algo ou alguém, fale sobre as coisas que são de fato importantes e significativas para você em uma linguagem positiva. Faça pedidos claros e específicos, se necessário.
O mundo já tem ódio demais. Aprendizes autodirigidos acolhem as diferenças como oportunidades de aprendizado. E refletem sobre suas preferências, pontuando-as para o outro quando preciso.
6. De “eu preciso” para “eu começo”
O principal combustível do aprendiz autodirigido é sua motivação intrínseca. Por isso, quando ele quer ou precisa de alguma coisa, esse desejo arde por dentro. Não há tempo a perder.
Muitos impulsos criativos são passageiros. Se não atendermos ao chamado interno de escrever aquele texto ou criar aquele projeto, pode ser que depois nossa cognição já tenha sido povoada por outras coisas. Isso é especialmente verdade no mundo digital, onde as distrações são a regra.
Por outro lado, se começarmos a executar todas as ideias que passam pela nossa cabeça, provavelmente teremos dificuldade em terminar as coisas. Mais uma vez, entender seu momento atual e quais novos “começos” se encaixam nele é fundamental.
E quando adiamos algo indefinidamente? O hábito de procrastinar pode ser um alerta de que a tarefa não se comunica tanto assim com nossa motivação intrínseca — o que queremos de fato. Ou pode significar a falta de um sistema ou rotina eficiente. Em ambos os casos, vale parar e refletir.
Quando faz sentido, o aprendiz autodirigido começa o que quer. E, se continuar fazendo sentido, cria os sistemas e rotinas para persistir.
Para saber mais sobre o Alex, acesse o site dele: www.alexbretas.com.