Como os hábitos controlam nossa vida — e como criar novos hábitos para mudar de vida
Sempre tive uma percepção de mim mesmo como uma pessoa disciplinada. Alguém que conseguia estudar um pouquinho todo dia em vez de estudar na véspera da prova, pelo menos quando a matéria não era tão chata assim.
Quando eu tinha uns 10 ou 11 anos, meu pai parou de beber no dia do aniversário da minha mãe. Ele disse que era o presente dela. De algum modo, esse gesto ficou gravado em mim. “O que faz com que as pessoas mudem?”, era o que eu pensava incessantemente.
Eu gostava de pensar sobre hábitos mesmo antes de entender o que essa palavra significava. Por que algumas pessoas roem unha? Por que tanta gente continua a fumar mesmo sabendo que faz mal à saúde?
Desde o ano passado, comecei a estudar esse tema mais a fundo. Eu queria entender porque, por exemplo, apenas 1 em cada 10 soldados viciados em heroína durante a guerra do Vietnã tinham recaídas no vício quando voltavam pra casa (um dado que colide frontalmente com os preconceitos de muita gente quanto ao vício em drogas).
Ou porque ratos de laboratório, ao serem colocados em uma gaiola com cocaína à disposição, optavam por não se drogar quando tinham acesso a outras diversões e outros ratos — ao passo que, se eram colocados em um local apenas com cocaína e sem qualquer outro atrativo, morriam de overdose.
Tudo isso não tem a ver apenas com hábitos, é claro, mas fato é que eles explicam uma parte considerável da equação.
Uma das maiores pesquisadoras que conheci até o momento sobre o assunto é a Wendy Wood. Ela é uma psicóloga social que escreveu um dos livros mais profundos sobre hábito que já li até hoje, Good Habits, Bad Habits (Bons Hábitos, Maus Hábitos, em tradução livre).
Nas pesquisas que fiz, descobrimos que cerca de 43% do que as pessoas fazem todos os dias são ações repetidas no mesmo contexto, geralmente enquanto pensam em outra coisa. Elas estão agindo automaticamente sem de fato tomarem decisões. E é isso que é um hábito. Um hábito é uma espécie de atalho mental para repetir algo que fizemos no passado que funcionou pra nós e nos deu alguma recompensa. (Wendy Wood em entrevista)
Wendy Wood me ensinou uma coisa muito interessante sobre mudança de comportamento. Em seu livro, ela desvenda o mito da força de vontade. Basicamente, o mais comum em nossa sociedade é acreditar que, se alguém não muda algum comportamento que gostaria de mudar, é porque falta força de vontade, persistência, compromisso, até mesmo “vergonha na cara”.
Talvez você, assim como eu até pouco tempo atrás, também acredite nisso.
A questão é que quem deseja mudar geralmente tem muita força de vontade. Em seu livro, a autora conta sobre uma pesquisa feita com pessoas obesas nos Estados Unidos que revelou que quase todas tentaram concretamente emagrecer, algumas mais de vinte vezes. E, mesmo assim, 81% acreditavam que era sua falta de força de vontade que estava atrapalhando seu sucesso.
Não é a falta de força de vontade que atrapalha. Alimentação, assim como várias outras esferas da vida, é resultado de 43% de ações inconscientes e automatizadas, ou seja, hábitos. Para as pessoas obesas da pesquisa, é como se seus hábitos fossem uma barreira invisível que os impedia de alcançar seu objetivo. Como destruir essa barreira e, no lugar, criar uma ponte? Como tornar os hábitos nossos aliados em vez de nossos inimigos?
Outra coisa importante que aprendi com Wendy Wood é que, quanto mais distraídos, cansados ou sobrecarregados estamos, maior é a tendência de “cair” nos nossos velhos hábitos — tanto os bons quanto os ruins. Isso explica porque você começa o dia super motivado para tomar um café da manhã saudável, mas assalta a geladeira à noite depois de chegar do trabalho exausto e estressado. Ou porque você sente que precisa meditar por 5 minutos depois de uma briga caso isso já seja um hábito natural pra você nesses momentos.
É difícil não fazer alguma coisa do tipo “assaltar a geladeira” quando nossos níveis de cortisol estão altos. Sem qualquer intenção consciente, o corpo nos “pede” para darmos a ele alguma saída rápida para essa situação. Algum alívio imediato que comprovadamente já tenha funcionado antes.
Para vários de nós, estratégias como assaltar a geladeira já foram muito utilizadas para lidar com situações de estresse. Tão utilizadas que chegaram a criar “superconexões” no cérebro, e essas superconexões são muito mais facilmente acionáveis do que qualquer tentativa de parar e tomar uma decisão.
Com o tempo, na medida em que repetimos uma ação, nosso cérebro vai conectando tudo com cada vez mais força: o contexto (chegar em casa depois do trabalho), a deixa (a geladeira), a rotina (comer junk food) e a recompensa (sensação de alívio, relaxamento e felicidade momentânea).
De modo que, quanto mais você repete esse comportamento, mais difícil é suportar o contexto sem ceder ao velho hábito de sempre.
A dopamina é um neurotransmissor que possui um efeito central nessas combinações do cérebro. Toda vez que sentimos a expectativa de obter uma recompensa — ao chegar em casa, você vê a geladeira e anseia pelo gosto delicioso da pizza — , o cérebro libera dopamina, e isso nos faz sentir bem. Toda vez que obtemos de fato a recompensa, mais dopamina é liberada.
Se acessamos alguma recompensa inesperada, a liberação de dopamina é ainda maior (como se ela falasse para o cérebro: “guarde essa informação porque nós vamos precisar mais disso no futuro”).
Outros neurotransmissores como a serotonina, a ocitocina e a endorfina também estão associados à construção de hábitos. Aprendi sobre isso com uma outra autora, Loretta Breuning, em seu livro Habits of a Happy Brain (Hábitos de um Cérebro Feliz, em tradução livre). Nosso corpo aprendeu em milhões de anos de evolução a liberar essas substâncias sempre que algo importante para nossa sobrevivência acontece — e, por mais estranho que pareça, as decisões a respeito do que importa não são conscientes.
Esses neurotransmissores foram formatados para nos fazer sentir “felizes” porque essa é a forma que a natureza encontrou de nos motivar na busca do que é relevante para a transmissão dos nossos genes.
Da mesma forma, o cortisol é a substância projetada pela natureza para que evitemos ameaças à nossa sobrevivência.
Quando o cortisol aumenta, nós chamamos isso de “medo”, e quando o cortisol goteja, nós nomeamos isso como “ansiedade” ou “stress”. Esses sentimentos ruins te dizem que a dor virá se você não agir rápido. (Loretta Breuning no livro Habits of a Happy Brain)
É incrível como nossa experiência de vida é moldada por toda essa química cerebral. Loretta Breuning chega a dizer que a “vida nos parece boa quando excede nossas expectativas, e ruim quando nossas expectativas não são atendidas”.
Quando o cérebro libera algum neurotransmissor associado à felicidade, a sensação boa costuma não durar muito. Todos nós experimentamos isso no dia-a-dia: ficamos felizes quando alguém nos elogia porque isso libera serotonina e ocitocina, mas logo o sentimento passa e já estamos focados em outra coisa.
Isso tem um motivo biológico. O corpo costuma ser econômico na liberação dessas substâncias porque ele precisa estar focado na próxima recompensa (e em evitar a próxima ameaça). É por isso que o mais comum é retornarmos rapidamente a um estado neutro depois de experimentar um momento de felicidade. Se ficássemos incrivelmente felizes o tempo todo, não haveria porque insistir na busca por aprimorar a vida (quem assistiu The Good Place até o final sabe disso).
Cada tentativa bem-sucedida em alcançar uma recompensa ou evitar um perigo crava um sulco em nosso cérebro. É como se nosso lado animal quisesse nos dizer: “isso deu certo, continue fazendo”. Esses sulcos vão evoluindo até potencialmente se tornarem as superconexões que nem precisam passar pela nossa mente consciente para serem ativadas. E assim os hábitos são criados.
Boa parte dos nossos hábitos mais persistentes foram criados na infância e na puberdade. São nesses períodos que uma substância chamada mielina aumenta no cérebro, e isso facilita a formação de circuitos cerebrais super eficientes. Ações muito repetitivas ou emocionalmente intensas nessas épocas são facilmente convertidas em hábitos por causa da mielina.
Depois de adulta, uma pessoa precisa de uma dose muito maior de repetição ou de emoções fortes para construir novos hábitos. Do ponto de vista da evolução, isso faz sentido porque durante boa parte da história da humanidade os seres humanos adultos não estavam focados em aprender coisas novas, e sim em prover recursos para as novas gerações aprenderem.
Uma pergunta comum sobre hábitos é o quanto de repetição é necessário para de fato internalizar uma nova rotina. É comum vermos por aí pessoas falando de 21 ou 45 dias para formar um hábito, por exemplo. Wendy Wood, que até agora foi a pesquisadora que vi indo mais fundo nessa questão, afirma que pode levar de dois a três meses para isso acontecer. Um pouco mais do que gostaríamos de acreditar.
O que pode servir de consolo é que, quanto mais repetimos uma ação, mais ela é internalizada pelo cérebro. E isso ocorre porque nosso corpo não gosta de trocar o certo pelo duvidoso. Como Wendy Wood afirma em seu livro: “nós repetidamente fazemos as coisas que amamos fazer. Mas nós também acabamos amando as coisas que fazemos repetidamente”.
Nossa tendência é valorizar coisas que nos são familiares ou conhecidas porque essa foi a estratégia de sobrevivência primordial durante grande parte da nossa história evolutiva. A aprendizagem pela experiência é um comportamento escasso em quase todas as outras espécies animais — com as quais compartilhamos ancestrais comuns. Os circuitos cerebrais relacionados aos hábitos são mais eficientes do que a intencionalidade na maioria dos casos, o que não quer dizer que sejam necessariamente mais vantajosos no longo prazo.
(A evolução não trabalha recriando estruturas do zero. Pelo contrário, ela trabalha aproveitando as estruturas dos nossos ancestrais e construindo “em cima” delas. É por isso que, por mais que tenhamos desenvolvido a mente consciente, nossos hábitos falam tão alto. As estruturas cerebrais responsáveis pelos hábitos — os gânglios basais — são muito mais antigas na nossa trajetória biológica do que as áreas responsáveis pela tomada de decisão consciente)
Nós, seres humanos, temos uma capacidade inata de aprender com as nossas experiências de vida. Isso ocorre, segundo Loretta Breuning, porque “humanos nascem com bilhões de neurônios, mas muito poucas conexões entre eles. Nós construímos nossa rede neural interagindo com o mundo”. Outros animais nascem com um cérebro muito menor e já com a maioria das conexões feitas antes de virem ao mundo. No entanto, mesmo para nós, quando um “aprendizado” na forma de um hábito é construído, é muito difícil deletá-lo completamente.
Quanto a isso, outro estudioso de hábitos que gosto muito, James Clear, afirma o seguinte:
Você pode quebrar um hábito, mas é improvável que o esqueça. Uma vez que os sulcos mentais do hábito tenham sido criados em seu cérebro, são quase impossíveis de serem removidos completamente. (James Clear no livro Hábitos Atômicos)
O livro Hábitos Atômicos é uma verdadeira “bíblia” sobre mudança de comportamento. O site do autor também é uma fonte muito rica para quem quer se aprofundar no tema. James Clear deixa claro uma coisa sobre hábitos que podemos perceber facilmente em nossas vidas: eles são uma faca de dois gumes. É preciso muito cuidado com os costumes que adotamos porque, uma vez que eles se tornam superconexões, boa parte da nossa existência é governada por eles.
Dado que a repetição é um dos fatores mais importantes para o cultivo de novos hábitos, faz sentido a máxima “um pouco todo dia”. Por isso, se você quer adquirir o hábito de fazer exercícios regularmente, é melhor se exercitar 20 minutos todos os dias do que durante uma hora duas vezes por semana. “O sucesso é resultado de hábitos diários — não de transformações únicas na vida”, afirma Clear.
Lendo seu livro, dá pra perceber o quanto o autor é um verdadeiro ativista da causa dos hábitos diários. Segundo ele, os hábitos são “os juros compostos do autodesenvolvimento”, ou seja, quando pequenas ações repetidas se acumulam, elas fazem uma diferença exponencial no longo prazo. É como mudar a rota de um avião em apenas alguns graus e, com isso, chegar a um destino totalmente diferente no fim da viagem. Eu não poderia concordar mais com ele.
É comum olharmos para pessoas bem-sucedidas — ou simplesmente alguém que ostenta algo que invejamos — e achar que “algo especial” aconteceu para elas. Ainda que diferenças em termos de privilégios e até mesmo de sorte existam, grandes conquistas e revoluções ocorrem com o acúmulo de inúmeros pequenos passos que, em um dado momento, atingem um limite crítico.
Ainda assim, as pessoas que consideramos bem-sucedidas e vitoriosas em qualquer esfera da vida tem algo a mais em comum do que somente a repetição diária de pequenas ações positivas.
Se autocontrole não tem a ver com força de vontade, então tem a ver com o quê?
Além de ser impossível, seria contraproducente tentar eliminar nossas vontades. Pessoas que conseguiram construir vidas saudáveis e produtivas não fizeram isso parando de querer alguma coisa e/ou querendo mais de outra coisa. Elas fizeram isso controlando seu ambiente.
Essa é a reviravolta irônica do desejo. Tentar suprimi-lo mina nossas melhores intenções e dificulta o alcance de nossos objetivos. Confunde nosso bom comportamento transformando-o em tortura. Como Wegner explicou, “ficamos acordados nos preocupando com o fato de não conseguirmos dormir e passamos o dia todo contemplando mentalmente a geladeira quando queremos fazer dieta”. (Wendy Wood no livro Good Habits, Bad Habits)
Em vez de negar o desejo, é mais interessante e viável se esforçar para se colocar em contextos diferentes (ou manipular os contextos em que você está). Como afirma Wendy Wood em seu livro, o “autocontrole é simples quando você entende que ele envolve se colocar nas situações certas para desenvolver os hábitos certos”.
Um exemplo interessante dessa estratégia é um estudo feito em um restaurante de comida chinesa. Conforme Wood conta em seu livro,
em um estudo com clientes de um restaurante chinês com buffet livre, cerca de 42% dos clientes obesos sentaram-se de frente para o buffet, com a comida à vista. Apenas 27% das pessoas com peso normal estavam sentadas de frente para o buffet. Além disso, as pessoas magras também tinham maior probabilidade de colocar guardanapos no colo (50%), enquanto apenas 24% das pessoas obesas o faziam. No entanto, a diferença mais marcante foi que 71% das pessoas com peso normal olhavam todo o buffet para ver o que estava disponível antes de se servirem. Isso permitiu que elas escolhessem o que queriam, em vez de apenas comer tudo que estava em seu caminho. Apenas um terço das pessoas obesas fizeram isso. A maioria começou a se servir imediatamente, sem verificar o que estava disponível antes. (Wendy Wood no livro Good Habits, Bad Habits)
(É importante ressaltar que o estudo não quer dizer que todas as pessoas obesas se comportam dessa forma, nem que uma pessoa torna-se obesa necessariamente por causa dos hábitos descritos acima)
O exemplo do buffet de comida chinesa ilustra muito bem uma das frases que eu mais gosto do livro do James Clear: “as pessoas com mais autocontrole são tipicamente aquelas que precisam exercê-lo minimamente”. De maneira habitual, as pessoas mais magras adotaram comportamentos que as fizeram contornar a enorme oferta de comida disponível. Elas enxergavam a experiência de outra forma, e o mais interessante é que provavelmente elas nem precisaram optar por isso conscientemente: seus hábitos optaram por elas.
Como o estudo acima deixa claro, mesmo em um ambiente hostil em relação aos hábitos que queremos cultivar — no caso, comer uma quantidade moderada de comida — , é possível manipulá-lo para que fique mais difícil fazer o que queremos evitar e mais fácil fazer o que queremos fazer.
O ambiente é a mão invisível que molda o comportamento humano. Você não precisa ser vítima do ambiente. Também pode ser o arquiteto. (James Clear)
Wendy Wood chama essa estratégia de manipular o ambiente de “fricção”. Para eliminar um mau hábito, você precisa aumentar a fricção para torná-lo extremamente difícil, chato, dispendioso e/ou constrangedor. Para adotar um novo hábito, você precisa diminuir a fricção a ponto de torná-lo extremamente fácil, simples, interessante e/ou motivador. Esse é um dos maiores segredos de pessoas “disciplinadas”.
Podemos manipular praticamente qualquer ambiente para adicionar doses de fricção nas ações que queremos evitar e diminui-la nas ações que queremos adotar. Pense na sua casa, no seu espaço de trabalho, na sua cozinha, no seu quarto, no carro, no seu celular ou no seu navegador. Tudo isso é ambiente e, portanto, manipulável.
Outra possibilidade para moldar seus hábitos é, em vez de manipular o contexto, trocá-lo por completo. Foi exatamente isso que os veteranos da guerra do Vietnã fizeram ao voltar pra casa, o que fez com que a grande maioria abandonasse o uso de heroína. De algum modo, isso também explica porque ratos de laboratório não conseguem parar de se drogar em uma gaiola entediante e solitária, mas deixam esse hábito de lado quando estão em um ambiente rico em diversão e comunidade.
Alguns hábitos são tão arraigados que o contexto acaba ficando vinculado a eles com o tempo. É por isso que alguns ex-fumantes não precisam nem ver um cigarro para querer fumar quando estão em um bar, por exemplo. O contexto criou uma relação umbilical com a rotina em si. Não é fácil quando essa vinculação ocorre com um hábito que não nos faz bem, mas, como vimos, mesmo em ambientes hostis é possível aumentar a fricção — ou evitá-los totalmente.
Estrutura básica do hábito: anseio, deixa, rotina e recompensa
Talvez o autor mais popular sobre hábitos até hoje seja Charles Duhigg, que escreveu o best-seller O Poder do Hábito. É um ótimo livro, ainda que tenha um tom mais jornalístico do que os demais já citados. Na minha visão, Duhigg é quem melhor explorou a estrutura básica do hábito, conforme vista abaixo.
A partir da imagem acima, vemos que a deixa para alguém querer fumar pode ser simplesmente olhar para um maço de cigarro. A rotina é a ação de fumar em si e a recompensa é a sensação prazerosa que as substâncias presentes no cigarro causam no corpo. Cada vez que a pessoa se sente recompensada, isso aprofunda o sulco cerebral responsável pelo hábito de fumar. No centro de tudo isso, Charles Duhigg usa a palavra “anseio” para se referir ao desejo ou necessidade que está por trás do hábito, muitas vezes invisível para nós.
Em seu livro, Duhigg conta várias histórias, desde campanhas de marketing até movimentos sociais, que têm em comum o fato de utilizarem a estrutura básica do hábito para influenciar pessoas na mudança de comportamentos. Algo que descobri em algumas dessas histórias é o quanto a recompensa precisa ser clara e imediata para que o hábito realmente se instale. A espuma do shampoo e a sensação de ardência ao escovar dente são totalmente desnecessárias do ponto de vista de limpeza, mas foram introduzidas nesses produtos para que o consumidor se sinta recompensado ao utilizá-los.
Pode parecer estranho ser recompensado por algo como uma espuma ou uma ardência na boca, mas o ser humano precisa de um sinal inequívoco de que alguma melhora aconteceu ao realizar uma ação. Em alguma medida, podemos ficar realmente viciados nisso.
Exercer autocontrole, como vimos, não tem a ver com ter mais força de vontade, e sim com manipular o ambiente. Charles Duhigg sistematizou uma forma bem interessante de fazer isso a partir da estrutura básica do hábito. A premissa básica desse método é que não se muda um hábito, e sim cria-se outro. Para isso, você deve isolar as deixas, mudar a rotina e adicionar alguma recompensa que consiga nutrir seu anseio.
O primeiro passo é isolar as deixas. Isso significa identificar as situações concretas que te fazem adotar o hábito do qual você está tentando se livrar. Os tipos de deixas mais comuns estão relacionados aos seguintes itens:
- Lugar
- Horário
- Estado emocional
- Outras pessoas
- Ação imediatamente anterior
- Eletrônicos (celular, computador, TV etc)
Alguém que quer parar de fumar pode, por exemplo, identificar que as situações que mais o convidam a acender um cigarro são: quando está estressado no trabalho (lugar e estado emocional); e quando está no bar com amigos fumantes (lugar e outras pessoas).
Esses são os momentos principais que ele deve se atentar. Além de isolar as deixas, é importante também entender qual é o anseio central que está motivando o hábito. Seguindo com o exemplo acima, será que a pessoa fuma para obter distração, alívio ou status social? É possível compreender o anseio experimentando com recompensas diferentes da habitual. Um caso clássico é o de pessoas que param de fumar e começam a mascar chiclete ou a comer mais. Embora possam ter consequências negativas, esses dois hábitos são capazes de satisfazer alguns dos mesmos anseios dos fumantes.
Depois de experimentar com diferentes recompensas e isolar as deixas, o próximo passo é criar um plano para ser executado toda vez que o anseio aparecer, por exemplo, “em vez de fumar, eu vou mascar um chiclete e procurar alguém para conversar”. E, claro, se certificar de que você possui tudo que é necessário para o plano ser bem-sucedido (no caso, chiclete e pessoas).
Vale a pena ler na íntegra sobre o método proposto por Duhigg. O que eu trouxe aqui é somente um resumo a partir dos pontos que me chamaram mais atenção. Mais à frente, vou compartilhar outras dicas práticas para quem deseja evitar maus hábitos e construir novos.
Nudges: empurrãozinhos na direção certa
Um outro conceito que tem a ver com a manipulação do ambiente para moldar hábitos são os nudges. Um nudge é qualquer coisa que modifica a arquitetura de escolha de uma pessoa de modo a influenciá-la a seguir determinada direção, mas preservando sua liberdade de decidir como quiser.
Certa vez, em uma caminhada de vários dias com um grupo de mochileiros, paramos para jantar na casa de uma moradora local. Ela serviu a comida em uma panela enorme com colheres e pratos igualmente grandes, e isso foi o suficiente para que eu comesse mais do que o habitual naquele dia. Ou seja: o tamanho da porção — e até mesmo dos utensílios que utilizamos para nos alimentar — impacta no quanto comemos.
Um dos exemplos mais interessantes de nudge é a diferença entre “opt-in” e “opt-out”. Esse nudge explica, dentre outras coisas, porque em alguns países o número de doadores de órgãos é muito maior do que em outros. Em um estudo da Universidade de Columbia e da London Business School, os pesquisadores perceberam que a forma de se perguntar se alguém queria ser doador impactava muito na decisão.
“Se você quer ser um doador de órgãos, marque aqui”.
“Se você não quer ser doador de órgãos, marque aqui”.
A primeira afirmação é um opt-in, ou seja, a pessoa decide ser doadora. A premissa, nesse caso, é que o “padrão” é não doar órgãos. A segunda é um opt-out, isto é, a pessoa decide não ser doadora. Aqui, a premissa é que o padrão é ser doador de órgãos.
É uma alteração sutil, mas capaz de causar uma diferença muito grande. Em 2004, a Dinamarca tinha 4% de doadores e era adepta do opt-in. No mesmo ano, a Suécia tinha 86% utilizando o opt-out. Vários outros países adeptos do opt-out haviam conquistado um número bem maior de doadores de órgãos do que aqueles que escolhiam pelo opt-in.
Existem muitas outras variações de nudges além do opt-in/opt-out. Em um artigo disponibilizado pela Universidade de Harvard, são listados pelo menos 10 tipos, dentre eles:
- Uso de normas sociais: ênfase no que as pessoas mais fazem, por exemplo, “85% das pessoas do seu bairro reciclam lixo” ou avisos de alta procura por quartos de hotel em sites de reserva.
- Lembretes: por exemplo, mensagens de texto para pacientes lembrarem de tomar o remédio na hora certa ou e-mails para ajudar as pessoas a pagarem suas contas em dia.
- Estratégias de compromisso prévio: estimular as pessoas a se comprometerem “oficialmente” com algo, por exemplo, aderir a um programa de tratamento para quem quer parar de fumar.
- Aumento de facilidade e conveniência: facilitar ao máximo a adoção do comportamento desejado, por exemplo, colocar opções de comida saudável nas prateleiras mais visíveis do supermercado.
De maneira ampla, nudges são como “empurrãozinhos” capazes de influenciar decisões ao mesmo tempo em que protegem a liberdade das pessoas. Nem todos levam à formação de hábitos, mas o objetivo de certa forma é o mesmo: mudança de comportamento.
Objetivos ou rotinas?
Um dos dilemas que se apresenta para quem estuda mudança de comportamento é a escolha do foco mais adequado: objetivos ou rotinas.
Ter um objetivo é a maneira mais comum de tentar mudar alguma coisa. “Emagrecer 5 quilos”, “escrever um livro”, “vender 10 projetos” e “começar a namorar” são alguns exemplos de objetivos.
No entanto, pensar em termos de rotinas (ou sistemas) é bem menos comum. “Não comer açúcar e fazer exercícios três vezes por semana”, “escrever uma página por dia”, “fazer três contatos comerciais por dia” e “frequentar um lugar diferente por semana” são os respectivos exemplos de rotinas a partir dos objetivos acima.
Em resumo, rotina tem a ver com o processo e objetivo tem a ver com o resultado.
Quando ouvimos a palavra rotina, nossa tendência é imaginar uma coisa chata. Isso ocorre porque fomos acostumados a seguir rotinas impostas, e não a criar as nossas próprias. Apesar disso, a criação de rotinas pode ser uma estratégia incrivelmente eficaz para avançar em algo. E a definição de objetivos, embora popular, traz alguns problemas.
- Problema 1: Vencedores e perdedores têm os mesmos objetivos
Todo atleta olímpico quer ganhar uma medalha de ouro. Todo candidato quer conseguir o emprego. E se pessoas bem e mal-sucedidas compartilham os mesmos objetivos, então não é a meta que diferencia os vencedores dos perdedores (James Clear no livro Hábitos Atômicos)
- Problema 2: Alcançar um objetivo é somente uma mudança momentânea
Imagine que tenha um quarto bagunçado e defina uma meta para limpá-lo. Se tiver energia para arrumá-lo, terá um quarto organizado — por ora. Mas se mantiver os mesmos hábitos desleixados que levaram a um quarto bagunçado, logo estará olhando para uma nova pilha de bagunça e esperando por outra explosão de motivação. (James Clear no livro Hábitos Atômicos)
- Problema 3: Os objetivos restringem sua felicidade
O pressuposto implícito por trás de qualquer meta é o seguinte: “quando alcançar minha meta, serei feliz”. O problema com uma mentalidade de metas é que você está continuamente colocando a felicidade de lado até o próximo marco. (James Clear no livro Hábitos Atômicos)
“Corrija as entradas, e as saídas se corrigirão”, afirma Clear. Objetivos podem até ser úteis em alguns casos, mas nós os utilizamos muito mais porque achamos que é o único jeito de implementar mudanças do que por sua efetividade comprovada.
As rotinas já me ajudaram em diversas situações. Em 2015, publiquei um livro escrevendo três vezes por semana no meu blog durante quatro meses. Como uma forma de facilitar o cumprimento dessa missão, criei um financiamento coletivo recorrente, uma modalidade de crowdfunding em que apoiadores podem contribuir com pequenos aportes financeiros mensais. Após a criação da página, me comprometi publicamente com meus apoiadores: sempre às segundas, quartas e sextas, eles poderiam esperar por um texto novo no blog.
Em poucas palavras, o que eu fiz? Tornei o não cumprimento da rotina constrangedor o suficiente para quase me obrigar a fazê-la. Dito de outra forma, eu aumentei a fricção associada ao mau hábito de não escrever o quanto eu gostaria.
Então, sim, tenha consciência de onde você quer chegar, mas saiba que você só chegará até onde suas rotinas permitirem.
Para saber mais
Livros
- Good Habits, Bad Habits (Wendy Wood)
- Habits of a Happy Brain (Loretta Breuning)
- O Poder do Hábito (Charles Duhigg)
- Hábitos Atômicos (James Clear)
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