Compartilhamento semanal #2: O Prazer de Estar Errado [fase de pesquisa]
Este é o compartilhamento semanal #2 da pesquisa do livro O Prazer de Estar Errado.
A ideia é ir fazendo pequenos sprints semanais de pesquisa e trazer pra cá as principais pérolas e reflexões.
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O que eu pesquisei durante a semana?
Ainda que sem planejar intencionalmente, esta semana foi menos focada em conteúdo e mais em experiências e pessoas. E ter me permitido viver isso foi importante, já que eu não quero escrever um livro “duro” apenas com reflexões conceituais e abstratas.
Vejo que as experiências e interações com pessoas são fundamentais para conferir leveza e humanidade ao texto. E, além disso, devo dizer que preciso ser coerente com o CEP+R (Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes), que nos mostra que aprender é muito mais do que somente consumir conteúdo.
Vivi uma experiência frustrante em um trabalho e, a partir da reflexão sobre ela, pude chegar mais perto do que poderia constituir o prazer de estar errado. Além disso, entrevistei um amigo querido — o Tarik Fraig — , e a conversa rendeu ótimos insights sobre o tema.
Por fim, para não dizer que não acessei nenhum conteúdo, fiquei absolutamente fascinado com o artigo “The Feedback Fallacy” (A Falácia do Feedback).
As 3 fontes mais interessantes que encontrei
Minha própria experiência com um “erro” no trabalho
Vivi uma experiência desastrosa de consultoria/facilitação esta semana e, a partir dela, comecei a refletir sobre o que acontece comigo quando me sinto diante de um “erro”. Compartilhei essa vivência com minha namorada e, a partir dessa conversa, pude colocar o erro em perspectiva e me acolher na situação.
Entrevista com Tarik Fraig
O Tarik é um educador, filósofo e professor de idiomas que se tornou amigo por conta de nossos interesses em comum em aprendizagem autodirigida e temas afins. Já tivemos algumas conversas “filosóficas” antes e, agora, decidi entrevistá-lo para colher suas visões a respeito da temática do erro. Fizemos um papo de 1h30 por Zoom e foi incrível.
The Feedback Fallacy
(Marcus Buckingham e Ashley Goodall — Harvard Business Review)
Esse artigo desconstrói algumas crenças muito arraigadas em relação ao poder que atribuímos ao “feedback”, isto é, o ato de apontar para o outro aquilo que entendemos que ele deve melhorar. Especificamente, vejo que a discussão que os autores fazem a partir do conceito de “excelência”, em oposição ao que entendemos por “fracasso”, é muito pertinente para o livro. Vale muito a pena ler.
Principais reflexões e insights
- Dizer “eu posso estar errado” é o primeiro passo para ter prazer de estar errado.
- Existem diferentes caminhos para alguém construir o hábito de ter prazer em estar errado. Contar uma história sobre o erro é uma delas.
- “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história” (Hannah Arendt)
- Histórias sobre os erros, quando elaboradas e compartilhadas, têm o poder de: ressignificar, gerar repertório e aprendizados, trazer leveza e humor e gerar conexão com o outro — por meio da explicitação da nossa humanidade comum.
- Nessa linha, ainda não fui a fundo, mas quero muito pesquisar o Fuckup Nights.
- É bom ter boas histórias sobre nossos erros porque é bom ter “história pra contar pros netos”, uma expressão do senso comum, mas que parece guardar alguma sabedoria.
- Em uma interação que “deu errado”, não existe um lado “culpado” e um lado “vítima”. Existe o que é importante para cada parte e que talvez não tenha sido esclarecido e cuidado na interação
- A leveza, o humor, a brincadeira e o meme dignificam o erro.
- Quais histórias minhas e de outras pessoas faria sentido eu compartilhar no livro? E o que eu poderia fazer, a partir delas, no texto? Como contar histórias sem expor os envolvidos?
- “O que é que o ato de errar faz comigo?” “Do que é que temos medo quando a gente erra?” “O que é esse medo?”
- A imagem que nos toma de assalto quando nos percebemos como “errados” é análoga às imagens do “perdedor”, do “inútil”, do “fracassado” e do “ignorante”. O erro diz algo profundo e pessoal sobre mim.
- O erro como um crime moral. Errar é infringir uma lei, cometer um pecado. Em muitos espaços educacionais, a relação de aprendizagem — que é uma relação cognitiva e emocional — é convertida em uma relação moral e moralizante. Transferimos a noção de erro do sistema jurídico-penal para vários outros contextos da nossa vida — aprendizagem, trabalho, relações.
- Essa transferência acarreta em uma postura de obediência, controle e colonização do outro. “Você é bom quando não erra, por isso é recompensado. Você é mal quando erra, por isso deve ser punido”.
- O erro acontece porque a pessoa escolheu errar, ou é um ato involuntário?
- Quando está aprendendo algo e comete um erro, você ri de si mesmo ou pede desculpas? Rir de si mesmo pode ser uma forma de celebrar o erro — ou ao menos aliviar a tensão.
- Como é que podemos deixar fluir o erro, deixá-lo transitar por nós, mas sem se apegar a ele? Como é que ele pode ser rio e não lagoa?
- Em um contexto de aprendizagem, quando uma pessoa no grupo é mais preocupada em “fazer certo”, isso contamina todo o grupo.
- “Então, se eu não posso fazer meu aluno se sentir uma merda quando ele erra, ele vai continuar errando!” — como transformar essa crença?
- Quando existe mais confiança e conexão nas relações em um contexto de aprendizagem, é possível encarar os erros com mais leveza.
- Caminhos para se gerar mais confiança e conexão: interação reiterada, fazer pedidos sinceros, brincar, contar histórias pessoais.
- Rir junto é uma forma de celebração do erro.
- O perfeccionismo como um dos principais inimigos do prazer de estar errado. Muito presente no estudo de línguas. Se você se cobra muito, também vai cobrar seu aluno. E, sem prazer de estar errado, sem leveza ao lidar com os erros, é muito mais difícil avançar e curtir o processo.
- Frase do livro do Tarik: “o mestre ignorante não é aquele que explica, que corrige, que vê pelo outro, que diagnostica a distância de seus discípulos da habilidade desejada — ele é aquele que encoraja cada um a ir até o limite de sua própria faculdade intelectual, que evoca de seu discípulo reservas de força até então por ele desconhecidas”.
- O erro evidencia/escancara a realidade. “Mas o que você queria que acontecesse?” O erro sempre ocorre em função de uma expectativa. O erro escancara a distância entre nossa idealização/fantasia e o real. “O erro é a prova de fogo da teoria”.
- “O erro é a percepção da diferença entre o que ‘deveria ser’ e ‘o que é’”
- Eduardo Galeano: o mestre como aquele que ensina a não ter medo de errar/de se equivocar.
- Quando o meu medo de errar aumenta? “Quando eu sinto que o outro se preocupa mais com minha performance do que comigo, no fundo eu entendo que ela quer eu faça o que ela espera de mim”. Aprendizado, neste sentido, equivale a bater ponto, cumprir tabela, atingir uma meta.
- “Quando eu sinto que a pessoa — mestre ou colega — está se preocupando comigo, e não com a minha performance, meu medo de errar diminui”.
- “Fracasso ou sucesso não importa. Os dois são impostores” (Antônio Abujamra)
- Sua aprendizagem está à serviço de uma meta idealizada ou da criação do novo? Frequentemente, quando nos apegamos de maneira excessiva a um resultado esperado, isso nos gera medo, culpa e falta de confiança em nós mesmos quando qualquer outra coisa acontece que não o resultado que esperamos.
- O prazer de estar errado é mais fácil de sentir quando nós nos damos conta de que estamos errados, em oposição a quando um outro aponta que estamos errados.
- Apontar quando o outro está errado é um traço importante na cultura de empresas e organizações (o famoso feedback), na educação escolar tradicional e na criação familiar em geral. Mas apontar o erro e dizer no que o outro deve melhorar não o ajuda a aprender, pelo contrário, atrapalha.
- Nas situações em que é possível prever com exatidão o que seria uma boa performance — ou o que seria o certo a se fazer, como no caso de como uma enfermeira deve aplicar uma injeção — apontar o erro pode ser importante. No entanto, essas situações são cada vez mais raras porque o que é considerado uma “boa performance” é algo cada vez mais imprevisível e multifacetado.
- Pesquisas mostraram durante 40 anos que pessoas não conseguem ser objetivas em suas avaliações e feedbacks sobre outras pessoas quando se trata de atributos e características abstratas (“pensamento estratégico”, “potencial”, “habilidade em vendas” etc).
- “O único reino no qual os humanos são uma fonte incontestável da verdade é o de seus próprios sentimentos e experiências” (The Feedback Fallacy)
- Quando compartilhamos com alguém nossa visão sobre a sua performance, é importante fazer isso sempre a partir dos nossos próprios sentimentos e experiências. Não existe um “jeito certo”.
- “Aprender é menos sobre adicionar algo que não está lá e mais sobre reconhecer, reforçar e refinar o que já existe [em você]” (The Feedback Fallacy)
- Toda vez que alguém presta atenção em algo positivo em nós, nós entramos em um estado neurológico (ativação do sistema parassimpático) que potencializa o aprendizado. Toda vez que alguém aponta nossos erros ou falhas, ativamos o mecanismo de “luta um fuga” [sistema nervoso simpático]
- A excelência é idiossincrática — nasce a partir da autenticidade de cada um. Existem diferentes formas de se fazer algo de maneira excelente, e essas formas estão intrinsecamente relacionadas com as características e a “marca” do ser humano que performa a atividade.
- Exemplo: Rick Barry, maior pontuador em cobranças de falta no basquete, que não levantava as mãos sobre a cabeça para arremessar a bola (ou seja, performava de uma forma autêntica e, talvez justamente por isso, excelente).
- Excelência não é o oposto do fracasso. Aprenda muito sobre como não fracassar e você terá, no máximo, uma performance adequada. Aprenda sobre como você pode ser excelente — a partir do que você já tem dentro de si — e aí sim a mágica acontece.
- Excelência e fracasso muitas vezes possuem muito em comum. Exemplo: líderes pouco efetivos tem egos muito grandes. Só que líderes excelentes também possuem ego grandes. Dizer que um líder deve sacrificar seu ego para ser melhor não é um bom conselho. Líderes excelentes inflam seu ego se colocando à serviço dos outros.
- Em vez de apontar erros, podemos apontar o que o outro fez de positivo na nossa visão e fazer perguntas para ajudar a pessoa a “explorar a natureza da excelência”, isto é, como ela conseguiu produzir esse bom resultado. Isso a ajudará a aprofundar e internalizar o comportamento que a fez performar bem.
- “Nós humanos não nos saímos bem quando alguém cujas intenções não são claras nos diz em que ponto estamos, quão bons nós ‘realmente’ somos e o que devemos fazer para melhorar. Nós nos destacamos somente quando pessoas que nos conhecem e se preocupam conosco nos dizem o que eles vivenciam e o que sentem, e em particular quando são capazes de enxergar algo dentro de nós que realmente funciona” (The Feedback Fallacy)
Semana que vem tem mais.
O livro O Prazer de Estar Errado está sendo escrito “em voz alta”. Isso significa que eu quero muito ouvir o que você pensa sobre tudo isso.
O que te toca nessas reflexões? O que você pensa ou sente sobre elas?
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