Compartilhamento semanal #3: O Prazer de Estar Errado [fase de pesquisa]

Alex Bretas
6 min readNov 20, 2020

Este é o compartilhamento semanal #3 da pesquisa do livro O Prazer de Estar Errado.

A ideia é ir fazendo pequenos sprints semanais de pesquisa e trazer pra cá as principais pérolas e reflexões.

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Este daqui vai ser um pouco diferente…

Nesta semana, não consegui avançar tanto quanto gostaria na pesquisa. Outros compromissos me tomaram mais tempo do que eu imaginava. A partir disso, até para tentar uma saída criativa diante de algo que poderia ser percebido como um “erro”, resolvi testar duas ações menores.

1. Marcar mais entrevistas

Visto que semana passada entrevistei o Tarik e foi incrível, estou apostando no método de entrevistas a fim de garimpar mais pérolas para o livro. Assim, aproveitei essa semana para marcar mais três:

  • Entrevista com Claudio Thebas (palhaço, escritor, educador) — dezembro/20
  • Entrevista com Bruna Spoladore (professora de dança contemporânea, artista, estudiosa dos movimentos do corpo) — novembro-dezembro/20
  • Entrevista com Varlei Xavier (palhaço, professor de teatro, educador, aprendiz autodirigido) — novembro-dezembro/20

E tem mais algumas vindo por aí.

2. Exercício de escrita livre

Decidi fazer um experimento comigo mesmo e escrever um rascunho de algumas ideias do livro durante 30 minutos. Eu não pensei muito, só escrevi, e é óbvio que ficou cheio de erros e “feiuras”. E quem disse que isso é ruim? Para o meu propósito neste momento — me abrir para novas compreensões que podem enriquecer a escrita — , foi uma ótima ideia.

Você pode conferir o resultado desse exercício de escrita livre abaixo. Por favor, seja gentil :)

Escrevendo, sem medo de errar, sobre o erro

Uma ideia que vem me ocorrendo a respeito do erro é a humildade ontológica. O que seria isso? Nas conversas do nosso grupo no Telegram, entendi que talvez seja um “exercício de desprogramação e reprogramação mental, emocional e corporal”. Humildade é essa disposição para estar errado sem que isso signifique um grande problema. É balancear autoquestionamento e autoconfiança em uma medida adequada, pois a pessoa excessivamente humilde é servil, e a pessoa excessivamente não humilde é arrogante. Ontologia é o estudo da realidade, do que concebemos por real. Talvez, então, o humilde do ponto de vista ontológico seja aquele que enxerga a realidade admitindo potenciais “erros” em sua percepção o tempo todo. Ele vê o que vê, mas sabe que a realidade é mais — ou certamente diferente — do que o que vê.

Neste sentido, também não é possível afirmar que a realidade é a “soma das percepções” de todos. Isso me faz lembrar da distinção entre erros aleatórios e erros sistemáticos: um erro aleatório pode ser corrigido se agregarmos uma grande quantidade de dados. Eles simplesmente se dissolvem se o caldo aumenta. Erros sistemáticos — não me lembro exatamente se era esse o nome — são erros que não somem quando o caldo aumenta, pelo contrário, são ressaltados. A percepção de cada ser humano, a forma como ele ou ela não apenas enxerga, como também sente e “toca” a realidade, é absolutamente única. Agregar essas bilhões de percepções não nos faria chegar a uma totalidade mais real ou mais verdadeira.

Sabe aquele exercício, talvez você já tenha visto, das pessoas cegas que tocam diferentes partes do elefante? Se eu toco na tromba, vou achar que estou de frente para uma cobra. Se eu toco na perna, vou achar que estou de frente para um rinoceronte e por aí vai. A “moral da história” desse exercício geralmente é dizer que ninguém detém a visão verdadeira da realidade. Apenas “juntando os fragmentos” é que chegaríamos ao real. Eu não acredito que isso seja possível.

É claro que, se todas essas pessoas cegas conversassem, elas seriam mais capazes de entender que o animal na frente delas era um elefante. Essa conclusão, que nos aponta para a importância da colaboração e da interação dialógica, faz sentido pra mim. Mas, ontologicamente, a soma das percepções não nos leva a uma realidade mais real. Pelo contrário.

Se eu fosse continuar a refletir a partir da diferenciação entre erros sistemáticos e erros aleatórios, talvez em algum momento eu dissesse que cada percepção viva carrega um erro sistemático em si. É incompleta, falta-lhe algo. Mas acabei de perceber que isso não é verdade — ou, pelo menos, não é assim que eu gostaria de enquadrar essa questão. Minha percepção não é “uma parte” do todo, ela é o todo. Ou, ao menos, ela engloba “dentro” de si o todo. Sabe quando um escritor talentoso nos faz sentir, por meio de uma boa história, o universal a partir do individual? Sabe aquele papo do universo numa casca de noz? Ou então aquela história do Carl Segan sobre ser preciso reinventar o universo se você quiser fazer uma torta de maçã do zero? É por aí.

Uma percepção humana não é inerentemente errada. Ela é inerentemente autêntica. No entanto, isso não significa que a pessoa não possa ativamente buscar uma visão mais profunda, um olhar mais delicado, uma compreensão mais ampla. Não é porque ela não é errada que ela não pode se aprimorar. A percepção humana, nossa faculdade de extrair sentido do mundo e tocá-lo, pode se beneficiar de certas ações. É uma escolha, acima de tudo, se vamos empreender esse trabalho de aprimoramento ou não. Não espere, com isso, enxergar “o real”. Não espere, com isso, “fazer o certo” ou sequer “entender o que é correto”.

A humildade ontológica talvez esteja no cerne dessas ações. E ela engloba não apenas a humildade intelectual, no sentido de estarmos abertos a potenciais erros de pensamento ou raciocínio, mas também a humildade emocional, aquela que nos torna capazes de voltar rapidamente a um estado tranquilo depois da tempestade interna da divergência. Além disso, temos ainda a humildade corporal, que penso ser uma certa disposição para agir no sentido do que aponta nossos erros. Afinal, você pode ser alguém super humilde intelectualmente, ter resiliência/agilidade emocional perante o erro/divergência/conflito e, ainda assim, não fazer nada sobre isso. Não é que você precise fazer algo toda vez que percebe um erro. Mas, em vários momentos, é importante. Senão você se torna um humilde da boca pra fora, ou um humilde inócuo.

A humildade ontológica, então, nos torna mais acolhedores com o erro, tanto os nossos próprios quanto os do outro. Ela nos ensina que categorias como “certo” e “errado”, “bom” e “ruim”, “moral” e “imoral”, “bonito” e “feio”, “útil” e “inútil” são julgamentos totalmente binários e dependentes dos contextos e da biologia-história de quem os professa. É claro que existem algumas coisas que caem em alguma dessas categorias de forma mais consensual que outras. 2 + 2 = 5 é um erro? Para a grande maioria de pessoas que estudou matemática, sim. Mas a matemática é uma linguagem que busca determinado fim. E se 2 + 2 = 5 estiver no alto de um prédio fazendo parte de uma obra de arte de protesto contra a normose da vida cotidiana? Aí não estará errado. E se um matemático brilhante inventar uma nova forma de se referir a essa equação que seja ainda mais útil para resolver certos problemas? Aí também não estará errado. É isso: nós temos o poder de criar e recriar realidades. E, nessa criação e recriação, pode ser que um “erro” deixe de ser percebido como tal. E talvez outras coisas comecem a ser vistas como “erradas”. Isso vale até mesmo nos campos mais “exatos”. Porque, no fundo, nada é exato, é tudo linguagem, tudo negociação de significados, é tudo contexto.

Semana que vem tem mais.

O livro O Prazer de Estar Errado está sendo escrito “em voz alta”. Isso significa que eu quero muito ouvir o que você pensa sobre tudo isso.

O que te toca nessas reflexões? O que você pensa ou sente sobre elas?

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Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.