Compartilhamento semanal #5: O Prazer de Estar Errado [fase de pesquisa]
Este é o compartilhamento semanal #5 da pesquisa do livro O Prazer de Estar Errado.
A ideia é ir fazendo pequenos sprints semanais de pesquisa e trazer pra cá as principais pérolas e reflexões.
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O que eu pesquisei durante a semana?
Nesta semana, escolhi dar foco mais uma vez para as entrevistas. Na verdade, não consegui acessar tantos conteúdos quanto gostaria, e as entrevistas foram aquilo que fui capaz de preservar.
Além delas, tive alguns momentos de insight durante o dia, talvez porque a temática do erro já esteja sendo devidamente incubada pelo meu subconsciente.
Sem mais delongas, vamos aos achados.
As fontes mais interessantes que encontrei
Entrevista com Bruna Spoladore (professora de dança contemporânea)
A Bruna, que antes da dança contemporânea praticava balé clássico, me apontou algumas diferenças incrivelmente nítidas sobre como o erro é percebido em ambos os estilos. Foi um papo bastante instigante.
Entrevista com Varlei Xavier (palhaço e diretor de teatro estudantil)
O Varlei é meu amigo de longa data, ativista da aprendizagem autodirigida e criador do Palhaço Aprende, uma metodologia para potencializar o aprendizado na sala de aula por meio da linguagem do palhaço. Além disso, exploramos também suas visões sobre o erro a partir de suas experiências como diretor de teatro estudantil e ator.
Principais reflexões e insights
- Existem muitas danças que trabalham a partir do conceito de “passo”. O passo é um código já previamente estabelecido que representa o jeito “correto” de praticar um movimento. Ou seja: nesses processos, há um ideal a ser alcançado.
- Nas danças contemporâneas, o movimento não é estabelecido a priori, ou seja, antes do fenômeno, antes da investigação, antes do encontro. A dança emerge a partir de perguntas, do presente e da presença.
- Nessas danças, até existem conceitos e práticas que apontam para um certo território comum, mas eles irão variar segundo cada pessoa e cada contexto específico. É algo que depende muito da singularidade e do rol experiências de cada um.
- Os parâmetros de sucesso na dança contemporânea vão sendo estabelecidos conjuntamente.
- “Na dança contemporânea, não existe um ideal a ser alcançado. Ela vem inclusive para causar um ruído nisso que a gente vem chamando de ideal”. Adorei essa fala da Bruna.
- Em muitas danças mais tradicionais, existe até mesmo um corpo ideal — geralmente magro e branco. A dança contemporânea busca evidenciar outros corpos que antes eram considerados inadequados ou subalternos.
- Em algumas coreografias, o “erro” é transformado em linguagem e material cênico que alimenta a própria dança. Conceito de “quedas”
- “Como é que a gente liberta a dança da própria dança?” Achei incrível isso.
- Mesmo na dança contemporânea, há momentos de prática a partir de referenciais fixos, isto é, há momentos de certo e errado mais constantes — como em um exercício de rolamento, por exemplo.
- Precisamos nos desapegar da “síndrome do bom aluno”. Ela é quem nos faz temer o erro.
- “Através do corpo e da dança, ver o mundo”
- O objetivo da dança contemporânea não é atingir um ideal, mas libertar o corpo.
- Conceito de “melhor erro possível” do Palhaço Aprende: é um erro performado pelo palhaço que possibilita à criança identificá-lo e solucioná-lo, gerando aprendizado.
- O “melhor erro possível” é quando “a criança guia o palhaço na transformação do erro em acerto”.
- Semelhança do palhaço aprendedor com o mestre ignorante de Jacotot.
- Se percebendo capaz de identificar e solucionar erros do palhaço, a criança amplia sua autoconfiança e deixa de se sentir “a pessoa mais burra da sala”.
- Dois tipos erros: de interpretação e operatórios. Erros de interpretação são percepções inadequadas ao contexto ou ao objetivo que se pretende atingir. Erros operatórios são falhas na reprodução de alguma teoria ou método — por exemplo, cometer um erro gramatical ou fazer uma conta errada.
- “Além dos ganhos de autoconfiança, as crianças [na presença dos palhaços] vão se sentindo mais à vontade para errar também”
- O palhaço fica na sala de aula junto com o professor e, assim, consegue se abster de ocupar uma posição hierarquicamente superior às crianças. E isso é absolutamente importante para que ele realize seu trabalho.
- Assim como na dança existem as “quedas”, no teatro existem os “cacos”: as falas não previstas no texto que surgem de improviso durante a apresentação. O Varlei me contou que, quando está em temporada com uma peça durante muito tempo, as pessoas tendem a executar suas funções de forma muito automática. Nessas horas, ele se pergunta: “qual é o caco que eu posso dar nessa fala pra aumentar o nível de presença das pessoas?” O “erro” surge, então, com mais uma função: tirar as pessoas do automático, gerando atenção. O erro como um “atiçador” da presença.
- Varlei como diretor teatral falando aos atores: “o que quer que aconteça, nós vamos lidar com isso”. “Improvisa, solta um caco, se esquecer, resolve na hora”. Uma postura de tolerância ao erro e valorização do risco.
- A figura do educador, seja na dança, no teatro, no meio acadêmico ou em qualquer outro, é uma variável muito importante que incide sobre o medo de errar do aprendiz. Ele pode ajudar muito, mas também pode atrapalhar muito. E ele irá ajudar ou atrapalhar dependendo de suas visões de mundo e da maneira com que processa seus próprios “erros”.
- O papel do reforço positivo quando alguém se sai bem diante de um erro. Varlei (como diretor) para uma atriz: “houve um problema, e você lidou bem com ele. Isso é valioso”.
- “O medo de errar é como se fosse Alzheimer ou Parkinson. É uma doença degenerativa. Na medida em que você vai sucumbindo a ele, você também vai perdendo cada vez mais da vida. Você se limita mais e mais até chegar em uma incapacidade quase total” (Varlei)
- Existem ambientes que valorizam/toleram mais ou menos o erro, mas muitas vezes os discursos contradizem o que acontece na realidade. No meio corporativo, é muito comum dizer que “aqui você pode errar”, mas isso frequentemente não é verdade.
- Como o erro pode ser um elemento de conexão? Quando a gente: brinca com ele; celebra (ri) o que aconteceu; mostra nossa humanidade. Se você está em uma posição de autoridade, lidar com o erro dessa forma pode ser um ato contagiante.
- “No circo, desafia-se as leis da física, mas também as leis humanas através do palhaço” (Varlei)
- Cena do Cirque du Soleil em que o palhaço imita um dos malabaristas que estava fazendo um número com tochas de fogo:
- O público ri porque se identifica profundamente com a inabilidade (erro) do palhaço. Dificilmente alguém na plateia é capaz de performar o número do malabarista e todos sabem disso. O palhaço trabalha com o material do erro, do fracasso, mas é um exemplo positivo de como não ter medo de errar.
- Veja o anúncio de vídeo que apareceu esses dias no meu perfil do Youtube:
- É curioso como a alusão ao erro ocupa um papel importante na escrita publicitária. “Você está fazendo isso errado!” funciona, nesse contexto, como um gatilho de consumo. E minha hipótese é que isso ocorre porque já ouvimos e nos traumatizamos muito com essa mesma fala vinda de nossos pais, professores e líderes. É por isso que nosso cérebro dispara quando lemos ou ouvimos algo nessa linha.
- Para problemas simples, um método (sequência de passos) resolve. Aí há de se falar em certo e errado. Para problemas complexos, é impossível estabelecer uma única causa e um caminho de solução inequívoco. É por isso que, com esses problemas, usar as taxonomias de certo e errado é um desastre.
- Na brincadeira, o erro se dá dentro de um limite de possibilidades mais alargado. E, como em qualquer outro contexto, um erro na brincadeira só é um erro de fato se for percebido pelas pessoas dessa forma. Eu posso sair correndo com a bola nas mãos em uma brincadeira onde a regra é não pegar a bola com as mãos e tudo bem, desde que as demais pessoas aceitem que esse é um novo jeito de brincar, e não uma afronta à brincadeira anterior.
Semana que vem tem mais.
O livro O Prazer de Estar Errado está sendo escrito “em voz alta”. Isso significa que eu quero muito ouvir o que você pensa sobre tudo isso.
O que te toca nessas reflexões? O que você pensa ou sente sobre elas?
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