Democratizar a educação não é aumentar o acesso às escolas

Alex Bretas
5 min readFeb 11, 2015

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“La educación prohibida” é um documentário argentino independente lançado em 2012 e financiado de forma colaborativa por meio de crowdfunding. O filme saiu com uma licença Creative Commons e pode ser assistido com legendas em português abaixo:

O documentário é dividido em 10 episódios temáticos centrados em aspectos da prática educativa, tanto no ambiente escolar como fora dele. O diretor, Germán Doin, buscou apresentar de uma forma muito rica e visual a desgraça de nossa educação tradicional, calcada em princípios de linhas de montagem industrial dos séculos XIX e XX.

Por outro lado, mostra também como não só sobrevivem, mas ganham espaço as práticas pedagógicas focadas na autonomia e no respeito e cujos frutos são pedaços inteiros de aprendizagem genuína.

Imagine ser o protagonista de sua educação. Eu não pude sequer conceber isso em minha formação, desde que me entendo por gente. Na escola, sentia-me como coadjuvante, ou melhor, como uma peça muda de cenário. E hoje, por interagir com muitas pessoas que se sentiram ou se sentem da mesma forma, enxergo a transformação educacional através da autonomia como algo urgente.

É proibido interagir na sala de aula atual. Mas, como assim? Aniquila-se sem piedade a principal ferramenta de aprendizagem do ser humano desde tempos ancestrais: as conversações.

É proibido não seguir o ritmo ditado pelo coronel professor. Assassina-se o que eu acredito ser a única verdade sem aspas do planeta: a de que cada um aprende de uma forma, na sua velocidade, porque cada ser humano tem a sua verdade, o seu mundo, que não é melhor nem pior do que o de ninguém. Na verdade, até mesmo isso é uma questão de crença.

É proibido desviar-se dos conteúdos programados para o ano letivo e comandados pelo professor e pela escola. Mata-se a criatividade, a vontade genuína de aprender por causa de algumas dezenas de tópicos que as pessoas simplesmente não irão absorver. Tornamos reféns o tempo, o entusiasmo e a ousadia de milhões de seres humanos em muitas das nossas escolas de hoje.

É preciso alardear a democratização da educação não mais num sentido de amplificar o acesso a escolas, mas sim de tornar as escolas mais democráticas. E fazer isso não apenas no âmbito da gestão escolar, mas também na gestão do conhecimento: isto é, nas formas de se escolher o quê, como e o porquê de aprender.

A democratização da educação passa pela construção de um novo projeto educacional, que assegure a reflexão crítica e a liberdade de pensamento, sentimento e vontade não apenas como retóricas, mas como práticas no ambiente escolar.

A abordagem a partir da experiência de cada um deve ser salientada. Tem de levar em conta, ainda, a consideração e discussão de questões locais, que estão próximas do cotidiano das crianças e jovens. Essas questões, quando trazidas por quem está a aprender, servem de ponto nodal para o início das investigações que constituem a aprendizagem. Um bom professor saberá tecer os conteúdos ao longo dessas investigações.

Entendo aqui que a formação dos professores necessária para levar a cabo este novo aprender é pautada por um paradigma educacional inovador, que responsabiliza os docentes na proporção em que se deparam com o conhecimento tácito de cada aprendente, isto é, aquele que vem com as experiências. A missão principal dos professores passa a ser, então, reconhecer esse conhecimento e recombiná-lo aos saberes mais “conceituados”, os conteúdos curriculares.

Seria muito bom se mais professores compreendessem a liquidez dos nossos tempos. Sem ser pedra, automática, estanque.

A primeira experiência que conheci neste sentido foi a Escola da Ponte, localizada em Vila das Alves, Portugal. A Ponte, que começou a se transformar na década de 70, ainda tem chamado a atenção de muita gente em virtude de sua filosofia integrativa e inovadora — por razão de ter ousado colocar em prática preceitos abordados por autores como Paulo Freire, Freinet e Dewey. Mais importante que isso, deu poder de escolha de fato aos alunos. No espaço deste texto, cabe trazer uma pequena degustação a respeito de seu funcionamento:

“Nesta escola não há salas de aula e não há aulas. Um espaço pode, no princípio de um dia de trabalho, acolher o trabalho de grupo, pode servir à expressão dramática, a meio da manhã, e pode receber, no fim do dia, as crianças que vão participar do debate. Num mesmo dia, o [espaço] polivalente pode ser um espaço de cantina, de assembléia, de expressão dramática, de educação físico-motora…”. (José Pacheco, fundador da Escola da Ponte)

No entanto, com um projeto tão ousado, será que os resultados apareceram? A resposta é afirmativa: segundo relatório da Comissão de Avaliação Externa do Ministério da Educação de Portugal de junho de 2003, os resultados dos alunos da Ponte foram “na maioria dos itens das provas de Língua Portuguesa e de Matemática, superiores naqueles alunos comparativamente às médias da escala regional e da escala nacional”.

Mais essencial é a orientação voltada para o exercício profundo da democracia, da autonomia e da solidariedade em todos os aspectos da vida escolar. No entanto, isso ainda não é objeto de avaliação sistemática por parte dos governos, nem em Portugal, nem no Brasil. Em vários outros quesitos das avaliações realizadas na Ponte, os resultados também favoreceram os métodos da escola, o que contradiz a histórica resistência do Ministério da Educação português em apoiar o seu projeto pedagógico.

Escola da Ponte em Vila das Alves, Portugal. Extraído de: http://leituraludica.blogspot.com.br/2012/11/projeto-politico-pedagogico-escola-da.html

No Brasil, há vários projetos de educação verdadeiramente democráticos em curso. Para citar alguns, temos por aqui a Escola da Serra em Belo Horizonte, a EMEF Desembargador Amorim Lima, a Escola Municipal Campos Salles e o projeto Âncora, em São Paulo, além de vários outros. As abordagens são diversas, mas todas essas escolas conservam a gestão democrática tanto do ambiente escolar quanto do conhecimento por parte dos alunos como núcleos primordiais para obter uma prática educativa libertadora.

Muitos deles nasceram em contextos de alta vulnerabilidade social, o que atesta a sua resiliência. Todos caminham na mesma direção: incorporar, a partir da vivência, a autonomia e a democracia nos percursos de cada vez mais crianças e jovens, dando voz às suas escolhas.

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Alex Bretas
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Written by Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.

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