Entrevista no Guia Educação: professores analógicos X alunos digitais, conversas X gadgets e a tecnologia na nova educação
>> Link da entrevista no Guia: http://vivasa.com.br/guia-educacao
Para quem quiser ler o que eu disse na íntegra, segue abaixo:
José Salibi Neto, fundador da HSM, afirma que o sistema educacional está obsoleto, porque são professores analógicos X alunos digitais. Murilo Gun, outro estudioso sobre criatividade e inovação, afirma que as escolas matam a aprendizagem. Por que esses especialistas afirmam isso?
A sensação de que a escola tradicional não nos prepara para os verdadeiros desafios da vida pessoal e profissional no século XXI é generalizada. A questão não passa apenas pela transformação digital, embora seja bastante acirrada por ela. Mesmo antes de haver computadores e internet, existiram pessoas e projetos que ousaram inaugurar formatos de educação libertários, focados na autodireção e na corresponsabilidade dos aprendizes. Alguns exemplos mais famosos são a escola Yasnaia Poliana, fundada pelo escritor russo Leon Tolstoi, e a escola Summerhill, na Inglaterra, ambas criadas no século XIX. Com a transformação digital, informação vira commodity e novas habilidades como curadoria, autenticidade, persistência e agilidade começam a ser mais valorizadas. Só que essas novas habilidades continuam sendo melhor desenvolvidas em ambientes de aprendizagem autodirigida. Ou seja: o que Tolstoi e tantos outros inovadores de épocas passadas criaram — oportunidades para que seres humanos cultivem seu gosto e suas habilidades para aprender, sendo apoiados nessa tarefa sem serem controlados — continua tendo um enorme valor. O sistema educacional já estava obsoleto antes do mundo digital.
Como poderia ser a nova sala de aula, a sala da escola do futuro, do ponto de vista das competências conversacionais? A nova sala de aula terá mais conversa ou mais gadgets?
A nova sala de aula não seria uma sala nem teria muitas aulas. O ponto principal é que se trata de uma mudança na filosofia da educação, no modo como se pensa educação, e não apenas uma mudança de formato, método ou recursos. A aprendizagem autodirigida, derivada especialmente da motivação intrínseca, precisa ser desenvolvida. Só assim a sociedade do futuro terá pessoas que aprenderam a aprender. Os ambientes de aprendizagem autodirigida e comunitária são ricos em interação, mas também podem beber da tecnologia, a depender do contexto. As pessoas são estimuladas a aproveitar a tecnologia, mas também a refletir criticamente sobre ela.
É preciso uma reformulação desse “professor analógico”?
É preciso uma reformulação ainda mais profunda sobre o papel do professor. Além de construir competências digitais, o que significa ele mesmo aprender a aprender, o professor precisa se tornar um apoiador de aprendizagens, e não um ensinador. Todo ensino não solicitado é prejudicial à aprendizagem. O professor então deixa de ser um ensinador em tempo integral e se torna um sustentador das condições e do ambiente propício para a aprendizagem autodirigida e em comunidade acontecer. Ele ajuda os aprendizes a sustentarem sua aprendizagem, fazerem boas perguntas sobre o mundo, darem voz para suas vontades e necessidades mais importantes, colaborarem com outras pessoas, compartilharem seus aprendizados com o mundo e por aí vai.
O “novo aluno”, esse da era digital, precisa aprender algo? Ou são apenas os professores que precisam se adaptar a ele?
É claro que ele precisa aprender. Em primeiro lugar, é importante aprender a “domar” as tecnologias digitais, pois estamos todos virando reféns de um pequeno conjunto de empresas do Vale do Silício. Mas esse aprendizado não pode ser imposto, ele precisa ser conquistado. Proibir celulares em escolas não adianta, a não ser que essa medida tenha sido decidida coletivamente por todas as pessoas da comunidade escolar, inclusive os alunos. Praticar a aprendizagem autodirigida e ser apoiado nesse processo é uma ótima forma do “novo aluno” desenvolver core skills, isto é, habilidades essenciais hoje e no futuro como equilíbrio, criatividade, confiança e coragem.
Algumas escolas estão buscando o caminho de volta: tirando os gadgets da sala de aula buscando encontrar, novamente, a criatividade. Como a competência conversacional se posiciona diante disso?
Não acredito que impor a eliminação da tecnologia seja a solução. O mundo hoje é digital, não adianta correr. A questão é como apoiar todas as pessoas — crianças, adolescentes e adultos — na reflexão crítica a respeito do uso das tecnologias digitais. E, após essa reflexão, apoiá-las também na transformação de seus hábitos em relação a esse uso, se assim o desejarem. E, claro, apoiá-las ainda para que possam extrair o máximo de sabedoria a partir da tecnologia. Os gadgets não são os vilões da criatividade, o ensino obrigatório e heterodirigido é.
Como fazer o jovem conversar de maneira efetiva usando e não usando tecnologia, isto é, como fazer para que eles não usem a tecnologia para evitar as conversas?
Poderiam ser ofertadas oficinas de diálogo nas escolas. Conversar talvez seja uma das coisas que mais façamos na vida, mas a maioria de nós nunca foi apresentado a formas melhores de se conversar. O mundo polarizado de hoje pede por isso. Essas oficinas não deveriam ser obrigatórias, sob o risco do jovem pensar que se trata de “mais uma coisa chata da escola”. Conversas enriquecedoras então poderiam acontecer em todos os ambientes, inclusive o virtual.
As escolas estão sabendo usar tanta tecnologia? Conhecem alguma experiência em que o professor esteja usando tecnologia e conversa para melhorar o aprendizado?
Mais tecnologia não vai funcionar se a concepção de educação das pessoas permanecer calcada no ensino obrigatório, com pouca autonomia. É como colocar uma roupa nova quando não estamos nos sentindo bem com nosso corpo. O School in the Cloud, projeto do pesquisador indiano Sugata Mitra, é um bom exemplo de tecnologia sendo aliada à interação conversacional entre alunos para potencializar a aprendizagem. Mitra entendeu, a partir de seus experimentos com crianças em vilarejos pobres sendo apresentados a computadores sem nenhuma interferência adulta, que o ser humano é naturalmente configurado para aprender. Ou seja: ele mudou sua concepção de educação.