Fui vítima do imperialismo linguístico?
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Esses dias, vivi uma situação que me deixou encucado — e, confesso, indignado.
Eu faço palestras em organizações. De vez em quando, recebo convites para falar em multinacionais.
O último convite desse tipo que recebi foi de uma empresa do setor de alimentos e bebidas, uma das maiores do mundo.
A ideia era fazer uma palestra sobre lifelong learning com o intuito de deslocar a cultura de aprendizagem da organização, ainda muito baseada em treinamentos formais, em inglês.
Bom, eu falo inglês, já tive experiências assim antes, então qual o problema?
Eu poderia simplesmente aceitar, e provavelmente a coisa fluiria bem.
Só que, desta vez, eu estava mais pensativo sobre a questão da língua.
Poucos dias atrás, recebemos no Mol Convida duas convidadas internacionais. Mesmo o idioma oficial do Mol sendo o português, nem passou pela minha cabeça exigir que elas falassem na nossa língua (utilizamos uma ferramenta de tradução automática de legendas do Zoom).
A empresa argumentou que, como a palestra seria para um público global, tinha que ser necessariamente em inglês.
Só que o ponto é: embora eu fale inglês, eu entrego o meu melhor em português, que é minha língua nativa — especialmente no contexto de uma palestra.
E não é apenas isso. Fiquei pensando na quantidade de pessoas incríveis que nem sequer são cogitadas para uma oportunidade dessas porque não dominam a business language.
Falar inglês é um privilégio. Usar a sua língua nativa deveria ser um direito.
(Pelo menos em situações onde não é complicado viabilizar um esquema de tradução, como era o caso)
A única razão de se manter a exigência do inglês em uma circunstância como essa é uma hierarquia linguística que, sabemos, ainda demorará para cair.
Eu tentei argumentar.
Disse que o mundo hoje está caminhando para ser mais multilinguístico.
Que me sentiria mais à vontade e entregaria uma performance melhor no meu idioma.
Que os avanços rápidos de IA estão reverberando no mercado de tradução, e que em breve será comum pessoas de países diferentes trabalharem juntas, cada uma na sua língua, sendo traduzidas em tempo real com uma qualidade assustadora (isso se o “império do inglês” deixar).
Que, além de tudo, é uma questão de diversidade e inclusão, pois a comunicação em diferentes idiomas não é apenas sobre palavras distintas, mas sim sobre outras visões de mundo que se pode conhecer — e que o predomínio de uma única língua abafa.
Eu disse essas coisas todas, mas ainda assim, a empresa achou “muito disruptivo para o momento”.
Nada que eu já não estivesse esperando…
Eu adoro inglês, gosto de como soa e de falar, mas tenho prestado mais atenção em como ele é sistematicamente utilizado como uma ferramenta de exclusão e opressão.
E eu sei que, ao publicar este texto, vai ter gente dizendo que tudo isso não passa de “mimimi”, e que teria sido muito melhor se eu simplesmente tivesse aceitado fazer a palestra nas condições que me foram colocadas.
Talvez haja até quem pense que, na verdade, meu inglês é ruim e é por isso que eu não topei.
Não tenho muito o que dizer a essas pessoas. Mas tenho uma recomendação de leitura (p. 40–101).
E você, como vê isso? Me conta? 🤔
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