Minha visão sobre a pauta de homeschooling do governo Bolsonaro
O Eduardo Valladares, um colega que admiro muito, fez um post no LinkedIn a respeito do recente debate sobre a legalização do homeschooling no Brasil.
Com a postagem, ele convidou vários profissionais da educação para conversarem sobre o tema por meio dos comentários. Vale a pena acompanhar a conversa por lá.
Reproduzo aqui o comentário que fiz no post, com alguns acréscimos:
Eduardo, é uma situação delicada e bastante complexa. Por um lado, a situação atual na qual se encontram muitas famílias brasileiras que optaram pelo caminho do homeschooling ou do unschooling não é boa. A qualquer momento, podem ser denunciadas pelo Ministério Público e sofrerem um processo por conta de “abandono intelectual”. Isso precisa ser revisto.
Ao meu ver, escola é um direito, não uma obrigatoriedade. O paradigma da escolarização compulsória, inclusive, contribui para disseminar o mito de que a escola e outros lugares “colonizados” pelo mesmo ideário escolarizante seriam os únicos lugares para aprender.
Por outro lado, claramente a intenção do governo Bolsonaro é colar a pauta do homeschooling com um conservadorismo religioso do qual não sou adepto. Isso para não dizer que, em uma pandemia, existem outras prioridades mais relevantes para o MEC e que essa pauta pode muito bem estar servindo de cortina de fumaça para encobrir outros assuntos.
Nesse ponto, vale distinguir homeschooling de unschooling (ou educação domiciliar e desescolarização, em bom português). É justamente o que se vê na matéria que você citou com a família da Ana Thomaz.
A proposta do governo vai muito na linha do homeschooling, que, como a Ana falou, é “levar a escola para dentro de casa”. Homeschooling significa repetir os mesmos erros da educação tradicional substituindo a figura dos professores pelos pais ou tutores.
Unschooling, por outro lado, é uma filosofia e um movimento educacional que se aproxima muito da aprendizagem autodirigida, meu tema de estudo há muitos anos. A criança pode explorar seus interesses e talentos, embarcar em seus próprios projetos de aprendizagem, e seus tutores (pais ou outros profissionais) cuidam de gerar um bom contexto para essa aprendizagem acontecer, além de estarem disponíveis para apoiar, escutar e abrir (e eventualmente sugerir) caminhos para a criança.
Detalhe: é perfeitamente possível praticar aprendizagem autodirigida em escolas também. É o que se vê em milhares de escolas democráticas, Agile Learning Centers, Liberated Learning Centers e outras propostas educacionais ao redor do mundo.
Infelizmente, essa discussão passa longe do ideário do governo Bolsonaro. No governo Dilma, tivemos uma tímida incursão por esse tema com o mapeamento das Escolas Inovadoras do MEC (que inclusive foi uma iniciativa sucateada pelo MEC atual).
Pra não ficar mais longo ainda meu pensamento, só digo que é improvável que eu apoie essa proposta de homeschooling do Bolsonaro. Vai depender do conteúdo do projeto de lei que for votado.
Entendo a importância fundamental das escolas no Brasil. Não sou contra elas. Mas existe uma discussão que não é bem sobre “em que lugar” se dá a educação, mas sim para o que ela serve e como ela se dá, independente de ser fora ou dentro da escola. E essa discussão não está sendo feita neste momento.
Pra mim, educação precisa gerar autonomia, cuidado, responsabilidade, respeito e compromisso com a transformação social.
Alguns links úteis para entender como a questão tem sido retratada na mídia sob diferentes perspectivas (obrigado, Eduardo!):
- Ministro da Educação defende homeschooling em audiência e diz que socialização da criança pode ser na igreja
- Homeschooling é um prejuízo aos direitos da criança e do adolescente
- Casal explica por que não põe os filhos na escola: ‘Ela tira o interesse das crianças’
E você, o que pensa ou sente sobre esse assunto?