O Mestre Ignorante: como todas as pessoas podem instruir a si mesmas
O Mestre Ignorante, do filósofo francês Jacques Rancière, é um livro fabuloso.
Rancière nos conta a história de Joseph Jacotot, um educador francês atuante entre os séculos 18 e 19 cujas ideias eram, no mínimo, visionárias.
O método do Ensino Universal, tal como sistematizado por Jacotot, prevê que todo homem é capaz de instruir a si mesmo, bastando para isso que se emancipe intelectualmente. Emancipar-se significa entender que há em todas as pessoas uma igualdade de inteligências, além de acreditar que toda e qualquer produção artística/intelectual humana pode ser compreendida por qualquer pessoa, sem a necessidade de explicações para além de seu próprio conteúdo.
Os professores tradicionais, aqueles que estavam surgindo aos montes com a institucionalização da pedagogia, não fariam mais do que repetir conteúdos que poderiam ser dominados pelos aprendizes diretamente, sem a necessidade de tal intermédio. Basta acreditar nessa possibilidade e trabalhar seriamente em si mesmo para sair de algumas crenças educacionais limitantes como:
- Não sou capaz de aprender sem professor e/ou sem escola;
- Não consigo compreender assuntos complexos sem explicações adicionais;
- Existem pessoas que são “gênios”, pessoas “normais” e pessoas “pouco dotadas intelectualmente”;
- A compreensão mais “exata” do mundo requer métodos mais “racionais”, métodos estes que costumam ser acessíveis somente às elites privilegiadas.
O Ensino Universal de Jacotot é, portanto, sinônimo de autoeducação, isto é, a capacidade de todos e todas de instruírem a si próprios.
O contrário da emancipação, para Jacques Rancière, é o embrutecimento ou, em outras palavras, a crença no “mito da pedagogia” que afirma serem necessárias explicações para que compreendamos as coisas. A lógica da explicação “é o princípio do embrutecimento que sucede quando uma inteligência é subordinada a outra”. Assim, acredita Rancière, “a pedagogia deve subtrair a explicação, eliminar a poderosa presença do explicador, deve deixar de explicar”. Agora, imagine só uma educação que deixe de explicar. Mudaria muito, não? Uma razão importante pela qual isso seria desejável em nosso sistema educacional é o fato de que as explicações contribuem para reforçar nos alunos a crença na sua incapacidade. Afinal, se há sempre alguém explicando, deve ser porque eu não conseguiria compreender sozinho.
Para que a emancipação aconteça, pode ser válida a figura do mestre ignorante, isto é, um mestre que ensina aquilo que ignora. Mestres que ensinam aquilo que sabem raramente não dão muitas explicações. Ou seja, podem atrapalhar mais do que ajudar. Um mestre que ensina o que ignora pratica o seguinte método: na medida em que o aprendiz vai mergulhando no conteúdo que deseja aprender — e ele o faz por meio de uma coisa, que pode ser um livro ou um filme, por exemplo — ele vai sendo inquirido pelo mestre. “O que você vê? O que pensa disso? O que poderia fazer com isso?” Essas são as três perguntas básicas. Dessa forma, o mestre vai demonstrando curiosidade pelo conhecimento que o aprendiz vai construindo, permitindo a este expressar o que está aprendendo e, assim, consolidar e sistematizar o que absorve do mundo.
(Isso é o que este blog também me permite fazer. Seriam os blogs mestres ignorantes?)
Jacotot também advogava outros procedimentos como improvisações para “destravar” os aprendizes e fazê-los fortalecer sua autoconfiança. Qualquer pessoa é capaz de aprender qualquer coisa. Improvisar ajuda a internalizar isso na medida em que reduz nossas barreiras frente à imprevisibilidade do real, que está sendo a todo momento.
No entanto, a principal recomendação do quase antipedagogo retratado por Rancière baseava-se mesmo na demonstração de curiosidade pelo aprendizado de quem aprende. Aprender algo novo deveria ser como aprender a andar ou a falar, pois nossos corpos já vem equipados para isso desde berço.
Que aprendamos, então, a termos alma de ignorante.
Leia o livro O Mestre Ignorante na íntegra clicando neste link.
Referências
O Mestre Ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Jacques Rancière.
A pedagogia da explicação, a pedagogia da emancipação intelectual e o princípio da liberdade. Kênia Ribeiro da Silva Hidalgo, Beatriz Aparecida Zanatta e Raquel Aparecida Marra da Madeira Freitas. Disponível em: http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/article/viewFile/5287/5068