Os 4 baldes da coragem

Alex Bretas
5 min readJun 4, 2019

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O autor e consultor americano Bill Treasurer pesquisa a temática da coragem há muitos anos. Em seu livro “Courage Goes to Work” (A Coragem Indo Trabalhar, em tradução livre), ele descreve os três “baldes” da coragem: tentar, confiar e falar. Além deles, para nós faz sentido adicionar um quarto, a coragem de se conectar.

A coragem de tentar é aquela que vem para nos movimentar em direção a coisas novas e nem sempre muito confortáveis. Sempre que alguém dá um passo que nunca deu ou tenta novamente algo que não conseguiu antes, esse tipo de coragem é acionada. Para aproveitar oportunidades, abrir caminhos novos ou conquistar objetivos importantes, é preciso encher o balde do tentar. No trabalho, frequentemente nos deparamos com projetos e tarefas desafiadoras que requerem habilidades ainda não desenvolvidas. Estar disposto a aprendê-las e encarar o desafio de frente é algo que demanda coragem de tentar.

Qualquer pessoa que esteja pensando em seguir um caminho pouco usual na vida sabe que romper a bolha de expectativas dos outros requer determinação. Muitas vezes, as expectativas estão também dentro de nós. Ter um padrão de vida mais barato, mudar para a África do Sul, aprender japonês e assumir sua sexualidade são exemplos de ações que requisitam boas doses da coragem de tentar. Pode ser ainda que alguém tenha vivido uma experiência muito difícil no passado, como por exemplo a morte de um ente próximo ou um acidente grave, e isso esteja bloqueando sua habilidade de tentar algo que para outras pessoas seria normal. Neste caso, estamos falando de medos irracionais que raramente desaparecem sem um tratamento específico.

Ter coragem para confiar é mais fácil quando ambas as partes da relação estão dispostas a correr riscos calculados. Confiar demais pode ser tão desastroso quanto confiar de menos. A confiança cresce quando o outro nos apresenta evidências de que podemos confiar. Quando sentimos segurança ao seguir a liderança de alguém ou em um relacionamento amoroso, por exemplo, não é como se estivéssemos arriscando. Sentimos que o outro está junto com a gente. A coragem, aqui, aponta tanto no sentido de confiar quanto de demonstrar confiabilidade. Quando uma pessoa é confiável, ela se preocupa em ser transparente e se comunica de forma vulnerável e honesta. Alguém confiável é o oposto de alguém arrogante.

Encher o balde do confiar envolve assumir que ninguém está isento de falhas. Cometer um erro, aliás, é sempre uma questão de perspectiva. Ter coragem para confiar parte do pressuposto de que a desconfiança tem um custo, às vezes alto. Nossa visão quase nunca dá conta de enxergar todas as consequências do depósito de confiança que fazemos. Se conseguíssemos prever tudo, não seria necessário nem confiança, nem coragem. Para cultivar a coragem de confiar, uma boa estratégia é diversificar nossas apostas. Ficar dependente de certa pessoa ou situação sem ter caminhos alternativos ou complementares provavelmente vai gerar problemas. É preciso se preparar para a decepção, o que não significa presumir que ela ocorrerá. Se a confiança em A ruir, a quê ou a quem você vai recorrer? Existem planos B ou C minimamente confiáveis? Existe uma rede de apoio caso o pior aconteça?

Ser corajoso para confiar tem uma relação direta com o terceiro tipo de coragem, a de falar. É mais fácil compartilhar a nossa verdade quando nos sentimos seguros de que o outro a receberá com uma escuta aberta, suspendendo seu julgamento. Nem sempre é o caso. Em relações de trabalho, falar uma verdade incômoda com o chefe ou superior costuma ser desafiador para a maioria das pessoas. Dar um feedback negativo para alguém, idem. Apontar incongruências na estratégia da empresa em alto e bom som na reunião de planejamento é difícil, assim como se arriscar fazendo uma apreciação em um ambiente tomado por críticas ferozes. Outras situações que envolvem a coragem de falar são pedidos de ajuda — quando estamos sobrecarregados de trabalho, por exemplo — e momentos em que é necessário exercer influência, como a venda de um produto ou o convencimento a respeito de uma ideia.

Encher o balde que nos permite falar o que importa para nós é desafiador. A hierarquia existente em muitos ambientes certamente não ajuda. A timidez também não. Somado a isso, os privilégios desigualmente distribuídos acirram esse cenário: é mais complicado para uma mulher se posicionar de maneira firme frente a um homem do que o contrário. Um estudo de 2014 da Universidade de George Washington aponta que mulheres são interrompidas 33% mais do que homens em conversas. Além de diferenças de gênero, privilégios raciais também entram na conta. Muitas vezes, ficar calado ou fingir são estratégias não apenas mais fáceis, mas até certo ponto necessárias para evitar consequências trágicas.

No Brasil, outro fator que pesa contra a coragem do falar é a cordialidade da nossa cultura, que faz com que evitemos entrar em assuntos delicados por medo de desagradar. Dizer a verdade com convicção para nós brasileiros é tentar algo que em poucos momentos tentamos.

Há ainda um quarto tipo de coragem relacionada ao quanto somos capazes de nos conectar. Conexão é cultivar presença aqui e agora e permanecer curioso com o outro, conosco e com o mundo. É sustentar uma abertura radical e se perceber pensando, sentindo e desejando, além de perceber também o outro. A habilidade de se conectar é uma função direta da capacidade de regular a atenção, um dos recursos mais valiosos que temos. Vivemos uma disputa cruel pela atenção: somos bombardeados de informações não solicitadas por todos os lados. O tempo que os usuários gastam em aplicativos como Facebook ou Instagram literalmente vale dinheiro, portanto o que essas plataformas fazem é refinar de modo contínuo seus mecanismos com o propósito de viciar as pessoas. Se tentamos nos conectar com todo mundo, acabamos não nos conectando verdadeiramente com ninguém.

Conexão envolve coragem porque nos expõe. Conectar-se com o outro, em especial, é um ato que requer quantidades extras de vulnerabilidade e empatia. Imagine uma carta de agradecimento a um amigo, um diálogo interracial em uma escola ou uma reunião com os colaboradores para apresentar os péssimos resultados da empresa no ano passado. Todas são situações que demandam algo mais do que tentar, confiar e falar. É preciso ser corajoso o suficiente para enxergar as pessoas de maneira profunda, reconhecendo por um lado as diferenças, por outro a humanidade que nos une. Sentir o que o outro está sentindo, apreciar genuinamente, perceber as sutilezas, estar sempre disposto a mudar e também a permitir a mudança do outro, tudo isso é conexão.

Uma vez conectados, é como se as outras três coragens se encaixassem. A intuição ganha espaço. E quando pessoas criam conexão umas com as outras, é possível sentir a verdade tocando a pele.

Em que situações você precisou encher os baldes da coragem?

Este é um trecho do livro Core Skills que lançarei este ano junto com Alexandre Santille, Conrado Schlochauer e Tonia Casarin pela Teya.

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Para saber mais sobre o Alex, acesse o site dele: www.alexbretas.com.

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Written by Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.

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