Prefácio à edição brasileira de The Art of Self-Directed Learning, de Blake Boles
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Leia o livro A Arte da Aprendizagem Autodirigida traduzido na íntegra aqui.
Abaixo, segue o prefácio que escrevi para a edição brasileira que a Affero Lab está produzindo junto com a Multiversidade.
Em janeiro de 2016, surgiu um incômodo na minha vida. Algo como um espinho que entra no sapato e não deixa a gente em paz até a hora que paramos e conseguimos tirá-lo de lá. Estranhamente, o espinho que entrou sem bater na porta tinha a ver com uma das coisas de que mais gosto: cantar. É por isso, afinal, que eu me importava. Em janeiro de 2016, apareceu um concurso de karaokê. Sim, karaokê — aquela invenção japonesa maldita que tem o poder de arrasar festas de aniversário, mas que conta com alguns adeptos inveterados. Eu sou um deles.
Acontece que, ainda que eu adore karaokê, odeio concursos. Não sou uma pessoa competitiva, nunca fui, e nos últimos anos venho refletindo que competições — um eixo estruturante da sociedade moderna — fazem muitas vezes mais mal do que bem. Para que uma ou poucas pessoas ganhem, muitas ou quase todas têm que perder. As imagens da régua, da pirâmide, da “escalada do sucesso”, como tantas outras metáforas, bebem desse mesmo pote. Não gosto disso. Quando começamos a pensar que existem outros jeitos de encarar o sucesso, em especial aqueles em que todos precisam vencer juntos ou que até mesmo descartam o imperativo de ter que ser vitorioso em alguma coisa, desconfiamos da competição. Eu desconfiei bastante.
Como proceder, então, se adoro karaokê, mas odeio competir? Fiquei refletindo sobre isso por algumas semanas. Conversei com uma amiga que é coach, e ela — diferentemente do que se esperaria — tentou me influenciar a participar do concurso. Ou talvez eu é que já estava com meus olhos viesados e pensei isso, vai saber. “Quando a gente empaca, a vida empurra”, ela costuma dizer. Dias depois, fui até o bar que estava promovendo o concurso como quem não quer nada (eu realmente achava que não queria nada). Era o último dia de inscrições para a competição e fui cantar uma música, como sempre faço. Ao descer do palco, o dono do estabelecimento me aborda dizendo: “Por que você não participa do concurso? Você tem a voz boa, deveria participar. Se quiser, você tem 15 minutos para se inscrever porque já vamos fechar”. Foi como se alguém me injetasse uma dose cavalar de adrenalina. Voltei para a mesa, mas na verdade minha mente estava rodopiante.
Finalmente, o empurrão da vida fez com que eu decidisse me inscrever. Não poderia ser tão ruim, pensei. Foi então que elaborei uma espécie de mantra — a yoga chama isso de resolução interna — para acomodar melhor a decisão em mim. Defini três coisas que me ajudariam não só a passar por essa experiência desafiadora, como também tirar o melhor dela:
- Me divertir;
- Conhecer pessoas novas;
- Estar vulnerável (isto é, ser eu mesmo).
A partir dessas três resoluções, consegui firmar minha crença de que participar do concurso seria uma ótima experiência. No mínimo, eu teria uma boa história para contar depois. Blake Boles narra um artifício parecido neste livro que você está prestes a ler: é o “eu poderia se…”. Mesmo correndo o risco de soar como autoajuda barata, dar um passo atrás ao sermos desafiados por uma situação e pensarmos no que poderíamos fazer para tomá-la em nossas próprias mãos é uma sábia atitude. É isso que aprendizes autodirigidos fazem — embora nem sempre consigamos fazê-lo. Ainda assim, pela minha experiência, quanto mais vezes nos propomos a praticar o “eu poderia se…”, mais ele se funde ao nosso jeito de encarar a vida. É tudo uma questão de calcular bem o tamanho do desafio que nos propomos e começar pequeno. Aí está outra coisa que aprendizes autodirigidos fazem: eles criam (ou escolhem ou buscam) suas próprias oportunidades de desenvolvimento.
Nos dias de hoje, mais do que nunca precisamos falar sobre aprendizagem autodirigida. Não há tantos materiais sobre o assunto em português: pelo menos não com a abordagem leve, consistente e pragmática do Blake. Foi por essas qualidades que resolvi traduzi-lo. Num mundo em que a nota da prova ainda decide destinos e deixa cicatrizes, precisamos conhecer e propor novos mundos.
Curiosamente, minha busca e a dele passaram por territórios parecidos: primeiro, um profundo descontentamento com as opções convencionais de educação, que emergiu nos contornos da rígida caixa universitária; em seguida, uma jornada de altos e baixos, de redemoinhos e clarezas desenhando nossos próprios percursos de aprendizagem a partir do que estava ao nosso redor. Métodos, livros, pessoas, entrevistas, Google, fóruns e comunidades virtuais, visitas, viagens, financiamentos coletivos: percorremos uma série de itinerários comuns.
Além disso, nossas jornadas também têm o mesmo tema: educação autônoma. Ou, de maneira mais precisa: como podemos fazer as pazes com nossa condição de aprendizes curiosos nesse mundo tão vasto de coisas a serem descobertas? É urgente que nos reapropriemos da nossa capacidade infinita de aprender. Se nossa sociedade criou instituições para ocupar esse lugar, que saibamos utilizá-las de forma inteligente. Mas, acima de tudo, que saibamos criar nossos próprios experimentos e experiências de aprendizagem.
Em A Arte da Aprendizagem Autodirigida, encontrei uma chuva torrencial de possibilidades para quem deseja, como o Blake mesmo diz, desbravar novas trilhas educacionais fora da rota preestabelecida. Além do “eu poderia se…”, várias outras dicas de educação — úteis também para a vida 10 — são compartilhadas. A narrativa é cativante e permeada por histórias e projetos feitos de histórias. O ritmo é ligeiro, direto ao ponto, como se estivéssemos lendo posts de um blog.
Se você está, assim como eu e Blake, vivendo um processo de autoeducação em qualquer área (ou querendo iniciar um), então as linhas a seguir lhe fornecerão preciosos insights. Na era do Faça Você Mesmo, o que temos aqui é um guia sobre como criar sua própria aprendizagem.
Quanto à minha participação no concurso de karaokê, correu tudo bem. Com direito a desempate com música a capella e a não chegar no tom do Kurt Cobain em Smells Like Teen Spirit, colecionei várias histórias intensas e significativas. Relevei minha desconfiança em relação a competições — ou seja, me pus a enxergar a situação de outro modo — e pude viver uma experiência maravilhosa. No fim das contas, a crença tornou-se realidade: me diverti, conheci pessoas e fui eu mesmo.
Foi então que consegui tirar aquele espinho do meu sapato. E isso, cá entre nós, tem tudo a ver com o tipo de educação que queremos semear.
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