Redes de entusiasmo — ou como colocar lenha na fogueira de alguém 🔥
Dia desses no Uber, uma grandessíssima amiga, daquelas que você compartilha as minúcias da vida, respondeu de maneira xôxa quando eu contei sobre o céu do Pará.
Não era qualquer céu — eu estava num barco atravessando possivelmente mais de um rio e o céu ali se dividia em dois, um avermelhado do lado esquerdo e outro azulado do lado direito. Eu contemplava aquele momento com as pupilas brilhantes de uma criança, estupefato com o tamanho daquela beleza e daquele mistério.
“COMO ASSIM!?”, o céu se colorir em dois exatamente em cima das margens desse FUCKING rio que eu tenho o PRIVILÉGIO de estar neste EXATO momento da minha vida! Puta merda! (é, vou ter que incorporar alguns palavrões nos meus textos a partir de agora, pois só a palavra às vezes não dá conta, precisamos de umas palavras de encher a boca de vez em quando)
Mesmo diante desse verdadeiro acontecimento da natureza que eu presenciei e quis contar, a reação da minha amiga foi xôxa — provavelmente por estar focada em outras coisas, ou cansada, ou ambos.
É louco como nos sentimos de peito preenchido ao compartilhar nosso entusiasmo com outres e sermos correspondidos(as).
Minha amiga faz isso o tempo todo comigo, só não fez nesse momento que eu quis compartilhar sobre o céu do Pará, e além disso eu também vivo essa experiência de entusiasmo espelhado com muitas outras pessoas, especialmente no Mol e em outras comunidades de aprendizagem das quais faço parte.
Nesses processos comunitários que vivo, descubro que não é apenas a escuta que nos nutre e nos impulsiona. Não são apenas as perguntas nem somente os apoios de cunho prático. É, sobretudo, o entusiasmo compartilhado que nos move corajosamente adiante.
Tenho algumas pessoas na minha vida que são verdadeiras mestras nisso — quase sempre em estado de prontidão para me presentear com entusiasmo quando peço ou preciso. É claro que às vezes elas falham, e isso não é problema. O ponto é como a gente se reveste de entusiasmo em rede, ou dito de outra forma, como que a gente fica bom em criar e habitar redes de entusiasmo.
Em algum nível eu concordo com o Yaacov Hecht quando ele diz que o “lago pessoal” é intransferível. Isso quer dizer que o céu perfeitamente cindido com as cores da floresta que vi é, de certo modo, uma experiência só minha, e ninguém nunca vai captá-la completamente.
Por outro lado, a gente pode ser caixa amplificadora para quem a gente ama, e a gente pode amar ofertando entusiasmo gratuito. A intenção é menos capturar cirurgicamente o que se passa com a pessoa e mais um ressoar poético e sonoro do que vibra naquele coração, naquele momento.
Enxergar e vocalizar a potência de alguém assim é um treino. Eu já fui bem pior, estou melhorando. É sobre apreciar, reconhecer, legitimar, validar, mas ao mesmo tempo é sobre algo muito além disso e que é difícil transmitir por texto. “Colocar lenha na fogueira de alguém” talvez consiga expressar um pouco do que é.
E se nós criássemos redes de pessoas especializadas em colocar lenha nas fogueiras umas das outras? E se, quando alguém falhasse nesse processo, houvesse mais gente disposta a te presentear com entusiasmo?
E se uma comunidade de aprendizagem fosse feita de entusiasmos compartilhados?