Relato honesto de um escritor que não anda escrevendo muito
Já passou o carnaval, e agora?
Nos últimos meses, venho me sentindo como um músico caricato e velho que, depois de muito tempo parado, tenta, em vão, voltar aos palcos.
Até ajeitar a cadeira na hora de sentar pra escrever tá difícil.
Sinto meu corpo torto, meus braços roçam na mesa de um jeito desassossegado, minha cabeça ronda por lugares outros que não o texto — lugares fétidos — , e a única coisa que tenho feito relacionado à escrita é ler.
Ler eu até tenho lido muito.
Me inspirei no desafio de serendipidade que criei anos atrás e pedi a pessoas queridas que me indicassem livros. Fiz uma lista imensa na fila do meu segundo cérebro. Comprei alguns. Tem sido enriquecedor e, ao mesmo tempo, uma fuga (precisamos delas).
Faz um tempo que eu sonho a possibilidade de ter um livro publicado por uma editora de renome. Cheguei a tentar com algumas e colecionei muitos nãos.
Hoje, o texto que nasce aqui é uma recusa à vaidade de publicar um livro só por publicar.
O mercado editorial é perverso e distorcido, e eu lembrei — pasme — que você está aqui.
Vocês estão aqui!
E vocês são suficientes pra mim — mesmo que seja uma minoria que me lê.
É claro que ainda desejo publicar livros com um alcance maior. Confio que vai acontecer. Só não tenho pressa.
Eu escrevo na internet há mais de 10 anos. Não estou dizendo isso pra me gabar ou “gerar autoridade”, é só que, como toda relação longa, rios caudalosos por vezes a atravessam.
Ao longo do último ano, duvidei das minhas próprias crenças. Coloquei em xeque meus fazeres e talentos. Ri do meu propósito (é um pouco difícil admitir isso). Paguei língua ao dizer que nunca sofria bloqueios criativos.
Eu raramente sofria, mesmo. Até agora.
Agora que o ano no Brasil oficialmente começa, neste 2025 sem pandemia e com maracujás crescendo no quintal, tenho pra mim que algo mudou na minha relação com o trabalho.
Na minha relação com o meu Eu criativo, na verdade.
Cheguei à conclusão de que PRECISO criar. Embora eu já soubesse, na teoria, da importância da atividade criativa — qualquer que seja, remunerada ou não — na construção e renovação da psique humana, cometi o erro de achar que poderia viver sem ela (ou com somente um punhadinho dela).
Não dá. A pessoa humana precisa sentir o pleno abastecimento de seu desejo de criar e progredir.
A não ser que você queira virar monge — embora eu desconfie que monges também criem, à sua maneira, dentro das suas ritualísticas de renúncia e contemplação.
Contemplar, Compreender e Criar para desfrutar da Vida e contribuir com a Vida. Eu mesmo formulei isso e, por um tempo maior do que gostaria, desacreditei.
É hora de voltar ao caminho. Ele sempre esteve lá, eu só fui brincar nas redondezas (e pretendo seguir assim, brincante, mas caminhando).
É claro que existem algumas pedras nesse caminho que precisarei tirar do sapato. Ou pelo menos aprender a ser amigo delas.
A pressão algorítmica que nós, pessoas “criadoras de conteúdo”, sofremos quando fazemos uma pausa nos nossos processos de criação públicos é avassaladora.
O algoritmo nos penaliza e, sei lá, parece que (algumas) pessoas também.
Parece que nunca podemos parar — e isso é óbvio num sistema extrativista de almas criativas.
Não pretendo me comprometer com nenhuma frequência específica de publicação por agora. Mas tenho vontade de escrever textos um pouco mais elaborados — elevar o sarrafo um pouquinho, sabe? — , e talvez isso me impeça de publicar muitos posts por semana.
Um texto semanal me parece interessante. Vou testar, porque é assim que a gente faz, né?
Os temas que seguem vivos se amontoam ali pelos territórios da descoberta, da curiosidade e do conhecimento. Mas também quero diversificar, falar dos fenômenos da vida, mesmo, porque eles me encantam e me assombram.
E o meu muito obrigado, mais uma vez, a você que me honra com sua atenção tão preciosa.
Nos tempos que vivemos, isso é muito. Acho que sempre foi.